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Audiência discute a importância das ATIs e a violação de direitos dos atingidos pela mineração

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A Comissão de Direitos Humanos da ALMG realizou a audiência pública na última quarta-feira, 25 de maio.

Publicação: 27/05/2022


“Não é a primeira vez e, certamente, não será a última que a Comissão de Direitos Humanos desta casa se reúne para debater questões diretamente relacionadas à mineração”, pontuou a deputada Leninha (PT/MG), ao abrir a audiência pública que aconteceu na Assembleia de Minas Gerais (ALMG) nessa quarta-feira (26). “Seguimos acompanhando de perto os desdobramentos dos crimes da Samarco, em Mariana, e da Vale, em Brumadinho. Mesmo com os acordos judiciais celebrados, com a Lei “Mar de Lama Nunca Mais”, ainda hoje vivemos sob um permanente desrespeito das leis e da violação de direitos das famílias impactadas pelos crimes”, completou a requerente da audiência, que buscou de debater o papel indiscutível das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) como ferramenta para o fortalecimento dos direitos  das comunidades atingidas pela mineração. 

Com faixas de protestos e fala das pessoas atingidas em defesa às ATI's, a audiência reuniu mais de 100 pessoas

Ao anunciar os participantes da mesa, Leninha lembrou que a escuta para audiência foi realizada por meio da Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais, do Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (NACAB) , Instituto Guaicuy, da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS)  e do Núcleo Rosa Fortini - assessorias técnicas constituídas para prestarem acompanhamento qualificado às comunidades atingidas das bacias do Rio Doce e do rio Paraopeba, acordo firmado entre as empresas mineradoras e o Ministério Público de Minas Gerais. A parlamentar lembrou que o direito às ATIs partiu do acordo firmado em 2017 entre a Vale e os atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana. Depois, elas foram incluídas também em acordo judicial em 2019 com os atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho (RMBH) naquele ano.  A Lei 23.795, de 2021, que contém a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Peab), incorpora essa ferramenta e a torna obrigatória para todos os empreendimentos. “Passado algum tempo, o acordo com a Vale revela que o trabalho das ATIs vem sendo limado, alijado, e é isso que queremos aqui debater. Limitar, impedir, silenciar e tentar dificultar suas ações é, em si, uma violação deste direito conquistado. Veja, é importante lembrar que uma compensação é a admissão, em si, de um dano irreparável. Significa que houve um dano deletério, para sempre. E não está em nosso DNA ser soterrado pela lama de uma mineração inescrupulosa”. 

A mesa foi composta por atingidos como Mônica dos Santos (Bento Rodrigues - Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão), Eliana Marques Barros (Cachoeira do Choro - Curvelo), Sebastião Leal (Três Marias), Marcio da Piedade de Souza (Itatiaiuçu), Patrícia da Silva Odione Lima (Itatiaiuçu), Ana Carla de Carvalho Cota (Atingida Antônio Pereira), Fernanda Perdigão (Piedade do Paraopeba), Joelma Fernandes Teixeira (Agricultora, Ilheira, Pescadora e Coordenadora da Comissão de Atingidos do Território de Governador Valadares), Joelisia Moreira Feitosa Filho (Comissão de Atingidos do Satélite - Juatuba), Kenya de Souza Donato (Liderança Indígena do Tronco de Sr. Gervásio e Dona Antônia), Valdeir dos Santos Souza - Cacique Arakuã (Liderança Indígena da Aldeia Naô Xohã), Rogério Giannetti Pereira Rocha (Representante das Comissões de Atingidos da R3 da Bacia do Paraopeba), Elizete Pires de Sena (Moradora da Comunidade do Passa Sete e Militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração) e Thiago Alves (Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens). Entre os convidados estavam, também, Edmundo Antônio Dias Netto Junior (Procurador da República em Minas Gerais - 27° Ofício), Carolina Morishita Mota Ferreira (Defensora - Pública do Estado de Minas Gerais), Carlos Augusto Mitraud (Professor e Historiador), Isis Menezes Táboas (Doutora em Direito pela UNB e Coordenadora-Geral da Assessoria Técnica Independente Aedas/Brumadinho), Sílvio Netto (Coordenador Estadual Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais sem Terra - MST).

As falas refletiram as diferenças entre os territórios e a forma de atuação das ATIs - e, principalmente, a necessidade de validar esse direito àquelas comunidades que ainda estão sem assistência. É importante ressaltar que as assessorias devem ser escolhidas pelas comunidades atingidas e pagas pelas empresas responsáveis pelos danos. Entre as suas funções, estão prestar informações confiáveis aos atingidos e atuar na construção de acordos que visem a reparação integral dos atingidos. “Eu vejo a Assessoria Técnica Independente e o acesso à informação como um direito que nos foi negado pelo governo e pela criminosa Vale. Nossa comunidade foi muito impactada pelo rompimento, porque é uma comunidade que vive à beira do rio, pesqueira. Uma comunidade tradicional que não é reconhecida como tal. As pessoas que ali viviam tinham sua autonomia, tinham suas plantações, viviam bem, e hoje estão passando por muito sofrimento”, disse Eliana Marques Barros (Cachoeira do Choro - Curvelo).

Mesmo no caso das ATIs conquistadas, foram feitas denúncias de cerceamento de autonomia e exclusão da participação popular. Moradora da Comunidade do Passa Sete, Elizete Pires de Sena denunciou que, quando a assessoria técnica produz um material de divulgação que cita o empreendimento, a mineradora é quem aprova ou não esse material. 

Outro importante ponto levantado foi a conivência dos órgãos da Justiça com a negação do direito às ATIs. De acordo com o procurador Edmundo Antônio Dias Netto Junior, a maioria das comunidades da Bacia do Rio Doce ainda não conta com ATIs, mesmo com o acordo de 2017, por conta de uma decisão judicial. Segundo procurador, um juiz federal homologou apenas parcialmente o acordo e incluiu a limitação de que as “ATIs não poderiam ter vinculações religiosas, ideológicas ou políticas”.

Moradora de Bento Rodrigues, em Mariana - área de atuação da ATI da Cáritas MG- Mônica dos Santos reiterou que “a empresa recorre em várias instâncias porque sabe, em algum ponto, que terá respaldo”. Para a atingida, a situação dificulta as negociações, adia a reparação e agrava a condição de saúde dos moradores. “Não foram só 19 mortes em Mariana. Desde o rompimento, em 2015, mais de 80 pessoas já morreram enquanto esperavam restituição”, afirmou. “O que está se pensando, daqui para frente? A gente precisa dessa mineração predatória, que mata? Será que o que a gente precisa é morte? Será que a vida não vale nada? Porque a Vale eu sei que não vale nada. E sei isso há sete anos”.


Por Lucas Buzatti

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