COLABORE

O que é ser atingido?

Geral

O que é ser atingido é uma série que apresenta a perspectiva dos moradores e moradoras das comunidades atingidas pelo Projeto Minas-Rio.

Publicação: 20/12/2022


A palavra “atingido” se tornou um conceito que os movimentos sociais, as universidades e outros atores utilizam como material de estudo sobre ecologia política* ou promovem ações com grupos organizados de pessoas que representam causas, com objetivo de provocar alguma mudança social por meio da luta por direitos. Mas, o que é ser atingido? No caso dos territórios de Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim, são atingidos e atingidas aquelas pessoas que tiveram mudança de vida a partir da chegada da Anglo American, por consequência das ações da mineração pelo projeto Minas-Rio. A partir desta edição do Balaio iremos mostrar de que forma os moradores e moradoras de Córregos e Gondó se percebem como pessoas e comunidades atingidas.

“Primeiro a gente é atingido em Buriti e minha mãe no Sapo. Eles [Anglo] compraram lá em 2017 e já estamos em 2022 e até hoje ainda não tem resposta de acerto. Eles fizeram a negociação em agosto, me parece, e veio tirar minha mãe em dezembro. Falaram que iam fazer o primeiro pagamento e no dia que saísse ia pagar o resto e, com isso, já vai 5 anos. Isso é lá da minha mãe, ne?! Sem contar no Buriti, que morava eu, meu marido e meu filho e a gente também teve essa pressão deles lá. Mexeram na cabeceira da água sem autorização da gente, apesar que tava na serra mas prejudicava. Teve um dia que levantei cedo e quando olho pra bica, a água tava correndo parecendo um leite. A gente não sabia se era remédio, se era algum barro que eles tinham cavacado lá em cima e tava entornando na água. Nós passou por muita coisa que se fosse colocar na ponta da caneta… tem muita coisinha.

Em Córregos a gente vê que o ar tá poluído. A gente tinha tudo lá na roça, eu não comprava lenha, não comprava queijo, leite, não comprava fruta. A terra que eu tenho não é apropriada pra plantação, tem muita pedra, é muito seco. Então é uma coisa assim, a gente se sente atingido por todos os lados, em todos os sentidos se for pensar. É um desrespeito muito grande com a gente. Aqui dentro da rua pelo menos eu vejo um monte de gente reclamando das rachaduras nas casas por causa do impacto das bombas que realmente eu vou falar pra vocês, soltavam umas bombas ali que, misericórdia.  Na casa onde eu morava antes [em 2009] teve um dia que eu tava na janela conversando com uma pessoa e a janela era de vidro. Soltaram uma bomba lá na serra que eu achei que a casa tava caindo! Tomei um susto do tanto que a parede estremeceu, o vidro balançou. Antes, eles vinham, as vezes, quando soltavam bomba por volta de cinco horas e às quatro já tavam ali embaixo com aparelho pra medir o impacto. Aí ficava, ficava, ficava.. Soltavam uma bombinha de nada. Quando eles punham o aparelho no carro pra ir embora, acho que antes deles chegarem lá na Mina, a gente escutava aquele rojão que mundo balançava. Aí eu falava: o quê que adianta, gente? A gente sente de vários modos ser atingido”. (Alice Augusta Pimenta, moradora de Córregos e reassentada de Buriti)

Na foto a lembrança da fazenda no Buriti. Alice conta também que o marido, Fernando, ficou sentido com o deslocamento forçado porque a raiz toda dele estava nesse lugar. Já a mãe, Alice conta que conseguiu voltar lá na casa do Sapo umas 3 vezes antes de falecer. Hoje não é possível mais pois a antiga estrada que dá acesso está tomada por água.

Na foto, a lembrança da fazenda no Buriti. Alice conta também que o marido, Fernando, ficou sentido com o deslocamento forçado porque a raiz toda dele estava nesse lugar. Já a mãe, Alice conta que conseguiu voltar lá na casa do Sapo umas 3 vezes antes de falecer. Hoje não é possível mais pois a antiga estrada que dá acesso está tomada por água.


“Eu me sinto, assim, muito desconfortável, porque a gente se alimenta da água poluída, a gente se alimenta da fruta poluída, a gente vai fazer um caldo de cana e tá contaminado, é verdura contaminada, o ar poluído. De todo jeito que a gente olha aqui, por todo lado, você tá fazendo consumo do minério, da borra do minério. Na alimentação, na bebida e pelo ar, né? Eu me sinto muito desconfortável, porque antes da mineradora chegar, a gente podia ‘apanhar’ uma verdura lá na horta, ali mesmo você podia se alimentar daquela verdura sem precisar de lavar, porque era limpa. Assim era com a manga, limão, acerola, carambola, a mexerica pokan, a goiaba. Tudo o que a gente vai pegar hoje aqui a gente tem que lavar, tem que pôr um pouquinho de álcool na água, com sal, e mais ou menos umas duas colheres de vinagre se não puder pôr o limão, pra gente lavar na água corrente, mas não adianta, porque tá sendo contaminado a mesma coisa. Eu tô me sentindo muito afetada. 

Portanto, quando eles [Anglo] vão fazer a reunião, tem a Solidão, onde a de Fátima mora, tem a Fazenda Paulista, mas não tem aqui, que chama Ribeira/Córrego Água Quente. Infelizmente eu me sinto muito afetada. Cada dia que passa a poluição tá sendo demais. A gente vai tomar um banho e, mesmo que você passe o sabão, quando você acaba de enxaguar o corpo, que você vai secar, o corpo fica todo assim brilhando, por causa do minério. A poluição tá na água. Eu tô aguardando o laudo deles. Eu tô me sentindo muito, como se diz, eu não tinha vontade de sair daqui não, mas pra ficar sendo afetada assim pela mineradora, os meus meninos mesmo falaram ‘mãe, a senhora já tá ficando mais de idade, não quero que a senhora fique sendo prejudicada assim não’”. (Maria da Paz - Tuca, moradora de Gondó)

Maria da Paz, moradora de Gondó, mostra a sua horta.



*Ecologia política: de acordo com o artigo “Atingidos da mineração no Brasil: possibilidades de interpretações a partir da Ecologia Política”, publicado  pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas - Universidade Federal de Santa Catarina (PPGICH/UFSC - 2019), de João Francisco Alves Mendes, a Ecologia Política é “uma abordagem que contribui para a compreensão da complexa lógica que envolve a relação dos modos de vida dos povos latinos e a inserção de empresas multinacionais e de governos (progressistas e liberais) desenvolvimentistas.”


FIQUE ATENTO! É importante destacar que o conceito de atingidos pela mineração ainda é algo em construção. De acordo com Parecer realizado pelo GESTA, sobre o documento “Estudo de Atualização das Áreas de Influência (AI) do Projeto Minas-Rio Mineração”, elaborado pela empresa de consultoria Ferreira Rocha Gestão de Projetos Sustentáveis, ser atingido está presente em diferentes dimensões, e nós, da Cáritas|ATI 39 iremos trazer mais informações nas próximas edições do Balaio.


Clique aqui para ler as edições do Balaio informativo.

Tag