COLABORE

Arte da Saúde completa 30 anos

Áreas de Atuação

Programa celebra 3 décadas de transformação na vida de crianças e adolescentes de Belo Horizonte.

Publicação: 28/10/2023


“O Arte é um dispositivo de produzir laços sociais e promover cidadania por meio do afeto. Como Oswald de Andrade dizia, grande escritor e artista brasileiro, ‘a alegria é a prova dos nove’. O Arte nos demonstra que a alegria e o afeto são, realmente, a ‘prova dos nove’ destas crianças e adolescentes”. É assim que Políbio Campos, gerente da Rede de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, definiu o Arte da Saúde: Ateliê de Cidadania no evento que celebrou os 30 anos de existência do programa. 

Criado em 1993, o Arte da Saúde é uma parceria entre a Prefeitura de Belo Horizonte e a Cáritas Regional Minas Gerais, que se dedica à promoção da saúde, da autonomia e do empoderamento de crianças e adolescentes atendidos pela rede de Saúde Mental do município ou que convivem com desafios de vulnerabilidade social. 

O evento de comemoração das três décadas do programa aconteceu no dia 19 de outubro, na Fundação Nacional de Artes (Funarte), em Belo Horizonte, e reuniu mais de 300 crianças e adolescentes em um dia repleto de atividades que celebraram os resultados da união entre arte e saúde. Estavam presentes, também, monitores das oficinas oferecidas nas nove regionais de Belo Horizonte, coordenadores do Arte da Saúde, representantes da Secretaria Municipal de Saúde e da Cáritas Regional Minas Gerais. 

O Arte da Saúde utiliza a arte como uma ferramenta para promover a cidadania e fortalecer a autonomia dos participantes, auxiliando crianças e jovens a lidar com diferentes questões sociais que podem interferir em seu desenvolvimento psicossocial e educacional. O programa foi um dos primeiros apoiados pela Cáritas Minas Gerais, em parceria com a gestão pública, ainda no início da década de 1990. 

Desde então, a instituição mantém a parceria com base na crença do potencial de transformação da sociedade por meio de construções coletivas, como explica o Secretário Regional da Cáritas Minas Gerais, Samuel da Silva: “Acreditamos que a construção em coletivo e os diálogos permanentes criam projetos sustentáveis. O Arte da Saúde é um desses programas que têm um resultado de impacto muito grande, principalmente com um público que, geralmente, é esquecido pelo poder público. Chegando agora nestes 30 anos, é importante alimentarmos a discussão para que o Arte vire uma política pública permanente, pois é assim que acreditamos que uma política pública deve surgir: a partir da perspectiva das comunidades”, afirma.


Crianças e adolescentes atendidas pelo Arte da Saúde comemoram os 30 anos do programa. Foto: Luísa Campos

Promoção de saúde por meio do estímulo à expressão artística

Com 51 oficinas, o programa atende, hoje, quase mil crianças e adolescentes das nove regionais da capital. Ao público, são oferecidas aulas em diferentes modalidades, decididas de acordo com as características e demandas de cada regional: dança, música, arte urbana, teatro, artesanato, desenho, pintura e artesanato são algumas das opções de oficinas.

Renata Mascarenhas, da Diretoria de Assistência da Secretaria Municipal de Saúde, endossou que o projeto de expansão do programa é, também, uma expectativa de toda a equipe da saúde que constroi o Arte: “O nosso desejo é que as 51 oficinas possam, em um curto espaço de tempo, se transformar em mais de 150, ofertadas em cada centro de saúde. Sabemos que cada território possui suas especificidades e necessidades, e proporcionar essas oficinas é uma oportunidade de uma vida melhor para tantas crianças e adolescentes. Fico muito feliz em saber que fazemos parte dessa trajetória possibilitada por um SUS forte, que tem muito a contribuir para a melhoria de vida das pessoas”. 

O critério de seleção dos monitores das oficinas não é focado em formação profissional na área de saúde mental e, sim, na importância de que o profissional seja artista, artesão ou professor das áreas da arte, da música ou da cultura. Além disso, outro diferencial do programa é a seleção de monitores que também são moradores da própria regional em que a oficina é oferecida. Ao conhecer a realidade social em que as crianças e os adolescentes vivem, é estabelecida uma maior proximidade entre monitores, participantes, familiares e profissionais da saúde, o que impulsiona o desenvolvimento individual das crianças e adolescentes. 


Abertura das comemorações dos 30 anos do Arte da Saúde. Foto: Luísa Campos

Professora de música e responsável pela oficina de flauta na regional nordeste, Poliana Soares entende como o vínculo entre monitores e alunos anda de mãos dadas com o desenvolvimento individual. Há quinze anos, Poliana já acompanhou a transformação de centenas de crianças e adolescentes, e fala com entusiasmo sobre a rotina de trabalho que, apesar de intensa, é muito recompensadora: “Cheguei no Arte há quase 15 anos, momento que fiquei completamente perdida porque estava acostumada com um público de escola regular. Precisei reaprender muitas coisas, a principal delas é que cada indivíduo merece um tratamento exclusivo, e esse olhar cuidadoso faz um diferencial gigantesco na vida deles. Quando recebo um telefonema de uma mãe me contando sobre a transformação do filho, é o que me mostra que o nosso trabalho está no caminho certo. Quando eu tiro uma flauta de dentro da bolsa, de fato a magia acontece”. 

Além das oficinas, o programa promove visitas a museus, exposições, espetáculos de teatro, dança e sessões de cinema, proporcionando a socialização e fortalecendo o senso de comunidade. O Coordenador do Arte da Saúde, Adriano Gonçalves, afirma que o programa tem cumprido a missão enquanto ateliê de cidadania, o que ficou simbolizado no encontro de celebração na Funarte: “Nesta quinta-feira, estamos promovendo um movimento intenso pela cidade. Os meninos saíram de suas regionais e estão vindo para a Funarte em 11 ônibus. Ao ocuparmos este espaço no centro da nossa cidade para realizar uma exposição artística com obras feitas pelos participantes do programa, traduz simbolicamente a nossa missão em contribuir para a construção da cidadania e da autonomia destes jovens e de seus familiares”, exemplifica. 

O contato de Luiz Felipe Conceição com a arte foi ferramenta essencial para a melhoria da sua saúde. Ainda criança, o jovem passou por um tratamento grave de saúde, momento que ficou internado e precisou de intubação. A superação do desafio veio por meio dos desenhos, porta de entrada para o universo artístico. Hoje, com 13 anos, Luiz Felipe participa há um ano das oficinas de flauta ministradas pela professora Poliana. Desde então, vem percebendo mudanças importantes em sua vida: “Participar das aulas de flauta vem me ajudando muito a ficar mais tranquilo em casa e na escola, diminuiu bastante a minha ansiedade. Meus pais perceberam que a minha postura melhorou, que eu estou mais tranquilo e ainda mais dedicado com os estudos e os desenhos que eu gosto de fazer”. 

Luís, que participa do programa na regional norte, é também autodidata e expôs no evento de comemoração uma série de desenhos: “Além da flauta, eu amo desenhar. A minha especialidade são os animes, mangás e os desenhos realistas, que faço com base nos personagens que eu gosto dos programas de televisão que eu assisto”. 


Luís Felipe mostra, orgulhoso, os desenhos escolhidos para a exposição na Funarte. Foto: Luísa Campos

Luta pelo fim da estigmatização 

Quando criado, o Arte tinha como público-alvo menores de idade que conviviam com déficits cognitivos, hiperatividade e distúrbios de comportamento. Hoje, também atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, promovendo cidadania e fortalecimento de autonomia por meio do investimento no potencial artístico de cada participante. 

É por este motivo que a atuação junto a crianças e adolescentes acontece de forma articulada com a rede do Sistema Único de Saúde de Belo Horizonte. Nos centros de saúde das regionais, as famílias encontram um profissional da saúde mental que acompanhará de perto o desenvolvimento da criança ou do adolescente, com encontros periódicos junto aos monitores e a inclusão por completo dos familiares nas ações do Arte, o que permite uma maior proximidade com a realidade de cada caso. 


Exposição das obras criadas pelas crianças e adolescentes que participam do Arte da Saúde, realizada durante a comemoração dos 30 anos do programa. Foto: Luísa Campos

Para Rosalina Martins, psicóloga e idealizadora do Arte, é justamente este olhar especial de forma ampla e atenta ao potencial do participante que vem transformando vidas há tantos anos: “Antigamente, a gente ouvia muito falar da 'criança problema', da 'criança especial', daquela que não vai evoluir de jeito nenhum. O nome do programa vem dessa ideia, da atenção especial à saúde das crianças e dos adolescentes. É um olhar para o potencial de cada um para além de qualquer diagnóstico ou definição social, é a fuga da psicologização, dos remédios. O Arte foi criado para que a criança possa ter outros espaço que não seja o da exclusão e da estigmatização”, endossa. 

Os 30 anos de atuação do Arte da Saúde vêm sendo reconhecidos. No ano de 1999, o programa foi selecionado entre os dez melhores projetos pelo Prêmio Itaú/Unicef: Educação e Participação. Em 2007, o Arte da Saúde foi ganhador do primeiro lugar da premiação Experiências Exitosas em Psicologia e Políticas Públicas, do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais.

Por Luísa Campos, pela Cáritas Regional Minas Gerais

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