A audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que aconteceu dia 20 de agosto de 2024, foi marcada por relatos de violências vividas cotidianamente pelas pessoas atingidas por atividades minerárias no estado. A reunião contou com a participação de representantes de São Joaquim de Bicas, Brumadinho, Mariana, Barra Longa e comunidades do Vale do Jequitinhonha e região do Serro.
A VIOLÊNCIA DA REPARAÇÃO
A 14ª Reunião Extraordinária da Comissão de Participação Popular teve como objetivo debater os altos índices de violência sofrida por pessoas atingidas, relatadas em inúmeras denúncias de agressões, ameaças e atentados. Ainda que os rompimentos de barragens sejam a face mais visível dos desastres-crimes, o processo de reparação tem sido usado para acentuar a atuação das mineradoras nos territórios atingidos por suas atividades, aprofundando as desigualdades e violências inerentes à mineração. Para Valéria Carneiro, agricultora e liderança do Assentamento Pastorinhas (Brumadinho), “a reparação é muito mais danosa que o crime em si. O crime tem dia e hora para terminar. A reparação abre o nosso território para a mineração”. Simone da Silva, da Comunidade Quilombola de Gesteira, município de Barra Longa, aponta que “todas as vezes que vocês ouvirem as mineradoras dizerem que estão reparando, elas estão causando danos a terceiros”, usando como exemplo as ações que moveram a lama da parte nobre da cidade para os altos dos morros.
O frei Rodrigo Péret, membro da Rede Igrejas e Mineração Minas Gerais, classifica esses arranjos do setor minerário como uma “arquitetura de impunidade”, já que os acordos de reparação revitimizam os atingidos ao excluí-los das tomadas de decisões em uma relação assimétrica de poder nas negociações com as mineradoras e Estado, permitindo o controle das empresas sobre os territórios afetados e contando com a ineficiência das instituições jurídicas na resolução das violações contra os direitos dos povos e comunidades tradicionais e assédios processuais.
Frei Rodrigo Péret, membro da Rede Igrejas e Mineração Minas Gerais, foi quem mediou a audiência pública
“A VALE QUANDO NÃO TE COMPRA, ELA TE PERSEGUE”.
A frase de Cláudia Saraiva, liderança da comunidade Ponte das Almorreimas, em Brumadinho, sintetiza uma das violências mais comuns durante o processo de reparação. Cláudia teve sua casa desapropriada e foi forçada a abandonar seu cargo de 32 anos de concurso público após o rompimento, sendo “perseguida por denunciar tudo o que a Vale fazia de injustiças”. Simone da Silva é outra vítima do assédio jurídico, respondendo a dois processos da Vale. Um dos processos é relativo ao fechamento de um poço artesiano contaminado em sua comunidade que as autoridades ignoraram. William de Souza, cacique Sucupira Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe, de São Joaquim de Bicas, reforça a estratégia de intimidação jurídica, sendo réu em um processo aberto pela Vale por tentar impedir a construção de uma estrada em seu território.
O Professor Matheus Leite, advogado da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (Ngolo), classifica a relação entre as mineradoras e as instituições de justiça como vergonhosa: “É uma vergonha, mas os atingidos precisam buscar justiça nos tribunais internacionais. Nós não podemos contar com o Poder Judiciário que existe no País”. Diante de toda situação exposta pelas pessoas atingidas na audiência, o professor reforça a existência de uma violação sistemática dos direitos dos povos e comunidades tradicionais no Brasil.
IGREJA DENUNCIA E EXIGE PROVIDÊNCIAS
A Comissão Episcopal Regional para Ecologia Integral e Mineração da CNBB Leste 2 envia nota ao Deputado Leleco Pimentel (PT), Presidente na Audiência Pública sobre violência das mineradoras em territórios minerados, que aponta a ineficácia do sistema de governança baseado na “solução negociada”. Segundo a nota, o modelo de “solução negociada” perpetua a violência e a injustiça, anulando o direito penal e tratando os crimes socioambientais como disputas civis a serem negociadas. Os processos de reparação passam a ser custos operacionais, que não só falham na reparação adequada e justa, mas fortalecem a presença das mineradoras no território, permitindo a continuidade de expansão no território. Seguindo a lógica neoliberal, os interesses econômicos prevalecem no processo de reparação, com o Estado ocupando posição submissa e de cumplicidade com os desastres-crimes, delegando responsabilidades governamentais ao setor privado e excluindo as vítimas das tomadas de decisões.
ENCAMINHAMENTOS
Ao final da audiência, a Comissão de Participação Popular propôs o encaminhamento de requerimentos para atender as demandas levantadas pelas pessoas atingidas pelas atividades do setor minerário. Entre os requerimentos está o pedido feito à Comissão de Direitos Humanos da ALMG para atuar na proteção e garantia de direitos dos convidados da audiência e o esclarecimento dos fatos violentos apresentados.