COLABORE

Cáritas realiza estudo sobre a percepção das pessoas atingidas acerca dos programas indenizatórios

Projetos

Nota técnica será enviada às Instituições de Justiça e busca promover informações precisas à população sobre os programas de indenização

Publicação: 31/10/2023


Desinformação. É um dos problemas mais mencionados pelas pessoas atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão de Governador Valadares e Alpercata, ao se referirem ao processo de indenização e auxílio da Fundação Renova. O dado foi levantado pela Assessoria Técnica Independente - Cáritas Diocesana de Governador Valadares (ATI CDGV), que realizou um estudo preliminar, a partir de centenas de relatos da população atingida, sobre o Programa de Indenização Mediada (PIM), Sistema Indenizatório Simplificado (Novel) e Auxílio Financeiro Emergencial (AFE). 

O levantamento das informações será apresentado às Instituições de Justiça (IJs) em formato de nota técnica e faz parte de uma das atribuições da ATI CDGV, que também consiste em sistematizar, fundamentar e encaminhar demandas das pessoas atingidas aos órgãos públicos, às IJs, à Fundação Renova e/ou suas mantenedoras. 

A Nota Técnica nº 01/2023 teve como objetivo demonstrar a percepção dos atingidos e atingidas acerca dos programas de mitigação e indenização, para promover informações precisas sobre o processo reparatório no território. 

“A proposta é que a partir dessa análise preliminar, a ATI possa ampliar as informações coletadas que deverão contribuir para a reparação integral dos danos sofridos e ainda promover a participação qualificada dos atingidos e atingidas em todo o processo reparatório, de modo a acessar direitos”, traz o documento. 

Para a realização do estudo, a equipe da ATI CDGV analisou as menções aos processos mitigatórios e indenizatórios a partir de falas das pessoas atingidas registradas em atas de reuniões promovidas pela Cáritas Diocesana de Governador Valadares no ano de 2018, Fundo Brasil de Direitos Humanos (então expert do Ministério Público Federal) em 2018 e 2019 e as primeiras rodadas de reuniões realizadas pela ATI CDGV em campo, que alcançaram mais de mil pessoas atingidas entre os meses de fevereiro e abril de 2023.

Ao todo foram 66 atas de reuniões analisadas, em que foram identificadas 653 falas de atingidas e atingidos, sendo 199 com menções relacionadas ao processo de indenização. 


Desinformação


Como exposto no início, desinformação é a categoria de menções que aparece em primeiro lugar, com 38%. Desinformação, de acordo com o estudo, são todas as dúvidas dos atingidos em relação à indenização, seja em processos em curso ou mesmo como acessar e a melhor opção frente às alternativas presentes. 

Dentro da categoria desinformação, foram feitas subcategorias de análise, tais como: ausência de informações qualificadas (36%), dificuldade de comunicação com a Fundação Renova (19%), desconhecimento de seus direitos de pessoas atingidas (15%), dúvidas sobre o processo da Inglaterra (12%), dúvidas de como acessar a indenização (7%), ausência de informações sobre as ações individuais (6%), desconhecimento das opções de indenização (4%) e informações sobre outros programa (1%).

Com 36%, ausência de informações qualificadas que possibilitem a tomada de decisão foi a subcategoria com maior menções por parte das pessoas atingidas, como é possível observar com a seguintes falas analisadas: 


“Necessidade de informação correta e de fonte confiável para a comunidade. Não há fonte segura e atualizada de informação”, atingida (o).


“Falta informação sobre o que está acontecendo, sobre os processos na justiça… Necessidade de informação fidedigna e de assessoramento jurídico da população de forma gratuita”, atingida (o). 


Demais categorias


As demais menções, além de 1) desinformação, foram categorizadas em 2) insatisfação com o processo de indenização (29%), 3) abordagem negligente de advogados ou atravessadores (12%), 4) problemas de cadastro (9%), 5) dificuldade de acesso ao AFE (3%), 6) não atendimento aos critérios de priorização (3%), 7) não reconhecimento da condição de atingido (3%), 8) presença de conflitos na comunidade motivada pelos programas (2%), 9) impacto social com as indenizações (0,5%) e 10) insegurança jurídica (0,5%). 

Em relação a insatisfação com o processo de indenização, foram verificados nove motivos pelo descontentamento das pessoas atingidas: 


  1. Descontentamento em relação ao valor de R$ 1.000 pago pelo dano à água no PIM;
  2. Questionamento do valor/Matriz de danos;
  3. Não recebimento da indenização/demora;
  4. Critérios excludentes que faz com que conhecidos com a mesma situação já tenham recebido a indenização e outros não;
  5. Não atendimento a todos os danos;
  6. Quitação total, assinada pelos atingidos que receberam alguma indenização, com declarações de que foram obrigados a assinarem os documentos;
  7. Falta de critério para a apuração dos danos;
  8. Desorganização do processo;
  9. Sentimento de injustiça geral com os processos de indenização.


Depois de desinformação e insatisfação com o processo de indenização, a categoria abordagem negligente de advogados apareceu em terceiro lugar de menções nas atas analisadas. Dentre os motivos da insatisfação, as pessoas atingidas listaram o sumiço dos advogados, valores dos honorários cobrados, falta de retorno acerca do processo, entre outras, conforme relatos abaixo.


“Procurei um advogado, entrei com uma ação, depois ele sumiu, não consigo falar com ele de forma nenhuma.” (Atingido (a) Região 5)


“Sobre a questão dos honorários, é comum cobrar 30%? Eu imaginei que seria muito dinheiro para o atingido dar para os advogados. Eu acredito que haverá causas contra os advogados. Estamos falando de advogados que têm 10 mil, 15 mil clientes…” (Atingido (a) Região 2)


Os problemas no Cadastro realizados pelas empresas terceirizadas da Fundação Renova foi a categoria que apareceu em 4º lugar, com 9% de menções por parte das pessoas atingidas. Os problemas são devido às dificuldades por parte dos órgãos competentes em emitir comprovantes de endereço, seja pelo fato da Fundação Renova não aceitar outras formas de de comprovação além das fornecidas pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) ou Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG), ou ainda por não terem recebido as informações necessárias para acessá-lo dentro do prazo estabelecido. 


“Muitos não tiveram direito por falta de documentos, não aceitaram documentos do posto de saúde ou da escola.” (Atingido (a) Região 6)


Análise de estudos realizados por experts do Ministério Público


A nota técnica traz ainda uma análise de estudos realizados pela Ramboll e Fundação Getúlio Vargas (FGV), consultorias externas independentes que assessoram o MPF e realizaram um levantamento sobre a situação das indenizações no Território 4. Entre os anos de 2019 e 2020, a Ramboll apontou em seus relatórios a ineficácia do Cadastro, por não detectar todos os tipos de danos materiais, imateriais, emergenciais e futuros.

A empresa destacou também a ausência de protagonismo da pessoa atingida, falta de informação e fundamentação ao negar ou cancelar o fornecimento do AFE, ausência de diálogo efetivo e coletivo na elaboração da Matriz de Danos, ausência de indenização para todas as categorias de atingidos, entre outras questões apontadas. 

Já a FGV mostrou diversos problemas correlatos aos depoimentos dos atingidos analisados pela ATI CDGV, como dificuldade de entrar em contato com os canais de relacionamento/Ouvidoria da Fundação Renova e receber respostas sobre o andamento do processo; coerção de advogados para a entrada no sistema e cobrança indevida de comissão; morosidade na liberação do pagamento; etc. 

A nota técnica destaca ainda uma comparação de modelos reparatórios feita pela FGV, sendo um “com foco nas indenizações e na advocacia privada em detrimento do atendimento multidisciplinar, participativo e focado em direitos humanos das Assessorias Técnicas”. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, a ATI preza pela participação popular e tem como fundamento a centralidade do atingido, enquanto o fundado pela advocacia privada está na contramão dos modelos reparatórios exemplos como boas práticas internacionais e pautados na centralidade da pessoa atingida. 

Nesse sentido, os estudos elaborados pelas experts do MPF e as falas da população atingida verificadas pela ATI CDGV apontam que o modelo de reparação, que condiciona o acesso à justiça por meio de representação jurídica, “contribuiu para o acirramento das desigualdades de acesso aos programas e projetos de reparação e mitigação de danos”, destacou a nota técnica, que evidenciou a insatisfação, não reparação, conflitos e atingidos desamparados sem nenhum tipo de orientação. 


Encaminhamentos


A Nota Técnica nº 01/2023 conclui que os mais prejudicados no processo de reparação são as pessoas atingidas da periferia e da zona rural, o que indica racismo ambiental dessa política, desigual, no acesso a direitos e ações reparatórias. 

O documento salienta a urgência da criação de meios para que a população atingida possa se informar sobre o status do seu processo, aberturas de canais da Fundação Renova e um escritório de atendimento presencial no Território 4, revisar os programas da Fundação Renova com foco na transparência, reavaliar o modelo de medidas mitigatórias e a importância da participação da pessoa atingida na construção da repactuação. 

Para acessar o documento na íntegra, CLIQUE AQUI


Confira a baixo também o diagrama com a sistematização das categorias e subcategorias de menções das pessoas atingidas sobre ps Programas PIM, NOVEL, AFE.





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