A comunidade Lamarão, pertencente ao território tradicional geraizeiro e vacariano do Vale das Cancelas, em Grão Mogol (MG), lançou, no dia 24 de março, o seu Protocolo de Consulta. O documento, construído ao longo de cinco anos com a participação ativa da comunidade e o apoio de diversas organizações, representa um instrumento fundamental para garantia do direito à consulta livre, prévia, informada e de boa-fé em relação a qualquer iniciativa que possa afetar seus territórios e modos de vida.
A iniciativa é resultado de mais de uma década de resistência à construção do complexo minerário Projeto Bloco 8, da Sul-Americana de Metais (SAM), que pretende instalar duas barragens com capacidade para 845 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, entre os municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho, Fruta de Leite e Josenópolis. Se instalada, uma das construções será 100 vezes maior do que a barragem que rompeu em Brumadinho, em janeiro de 2019.
Estima-se que pelo menos 2.230 famílias que vivem da criação de gado, agricultura diversificada e da extração do cerrado, tenham seus modos de vida impactados pelo empreendimento da mineradora SAM. A violação dos direitos dos geraizeiros e geraizeiras de Vale das Cancelas pela mineradora e pelo governo de Minas Gerais é, inclusive, um dos 15 casos denunciados ao Tribunal Permanente dos Povos (TPP) em Defesa dos Territórios do Cerrado.
Desde 2019, o Coletivo Margarida Alves tem apoiado a luta do Vale das Cancelas, realizando assessoria popular para a construção do protocolo. A Cáritas Regional Minas Gerais, a Cáritas Diocesana de Montes Claros, a Comissão Pastoral da Terra, o Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH Norte) são algumas das entidades que se somaram à mobilização popular em prol da construção do Protocolo.
O evento de lançamento do Protocolo de Consulta da comunidade de Lamarão reuniu cerca de 80 pessoas e contou com a celebração do Domingo de Ramos, em uma retrospectiva da luta contra o Projeto Bloco 8.
A construção do Protocolo de Consulta
O processo de construção do Protocolo de Consulta foi marcado pela ampla participação de moradoras e moradores da comunidade. Desde o início, ressalta Aldinei Leão, assessor jurídico do CRDH Norte, a comunidade se envolveu ativamente nas discussões, definindo os princípios e diretrizes que norteiam o documento.
A Cáritas Regional Minas Gerais, a Cáritas Montes Claros, o Centro de Referência em Direitos Humanos do Norte de Minas, e o Programa de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos de Minas Gerais (PPDDH MG) atuaram como facilitadores do diálogo entre a comunidade e as demais entidades envolvidas, garantindo que todas as vozes fossem ouvidas e consideradas.
De acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), incorporada na legislação brasileira por meio do Decreto 5.051/2004, povos e comunidades tradicionais têm o direito de serem consultados sempre que uma medida legislativa ou administrativa possa atingi-los, como ocorre em casos de grandes empreendimentos que são licenciados pelo estado. Essa consulta, conforme prevê a legislação, deve possuir características básicas, e deve ser:
- Livre: a consulta deve acontecer sem pressão externa e de acordo com critérios estabelecidos pela própria comunidade;
- Prévia: deve ocorrer antes da aprovação da medida administrativa ou legislativa, como condição obrigatória para que se inicie qualquer trabalho no território;
- Informada: a comunidade precisa ter acesso a todas as informações referentes à medida em questão para que a consulta ocorra;
- De boa-fé: ela não deve ser feita de forma a tentar enganar as pessoas.
Desse modo, o protocolo de consulta é um instrumento produzido pelas comunidades, para que a consulta seja feita de forma apropriada à sua forma de organização social, cultural e política. O documento estabelece um conjunto de procedimentos que devem ser seguidos por qualquer empresa ou governo que pretenda realizar empreendimentos ou atividades que possam afetar o território.
Em Lamarão, o lançamento do Protocolo de Consulta representa um passo importante na luta por justiça social e ambiental no norte de Minas Gerais. “O protocolo é um instrumento primordialmente fruto da mobilização e da luta da comunidade de Lamarão. A construção e lançamento do documento aconteceu, também, porque a comunidade contou com o apoio de uma rede de parceiros, que inclui a Rede Cáritas, o CRDH, a Comissão Pastoral da Terra, o PPDDH MG, o coletivo Margarida Alves, além dos mandatos dos parlamentares Patrus Ananias, Padre João e da Deputada Leninha (PT)”, finaliza Aldinei.
Por Luísa Campos, da Comunicação da Cáritas Regional Minas Gerais