O Encontro Inter-regional da bacia do rio Paraopeba e da represa de Três Marias, que faz parte da metodologia de construção participativa da Proposta Definitiva para execução de parte dos recursos do Anexo 1.1, foi realizado nos dias 08 e 09 de junho, na Casa de Retiro São José, em Belo Horizonte. O evento reuniu mais de 200 pessoas indicadas como representantes dos 26 municípios atingidos pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Além dos representantes das comunidades atingidas, estiveram presentes equipes das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) que atuam ao longo da bacia, representantes das Instituições de Justiça, do Comitê Pró-Brumadinho, entre outros parceiros.
Foto oficial: Felipe Cunha/Aedas
Organizado pela Entidade Gestora responsável pela execução do Anexo 1.1, que é uma parceria formada pela Cáritas Minas Gerais (entidade líder), a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB), o Instituto E-Dinheiro e o Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus), com o apoio das ATI’s Aedas, Guaicuy, Insea e Nacab, o Encontro teve como objetivo a participação das pessoas atingidas nas deliberações da Proposta Definitiva que conduzirá a execução do Anexo 1.1 e que faz parte do Acordo de Reparação assinado entre a Vale, o Governo de Minas Gerais e as Instituições de Justiça em fevereiro de 2021.
O Encontro Inter-regional da bacia do Paraopeba e da represa de Três Marias faz parte da construção participativa de uma Proposta Definitiva que servirá como um guia para a execução do Anexo 1.1 durante dois anos.. Ao longo de mais de 90 dias que antecederam o Encontro, foram realizadas, aproximadamente, 50 reuniões presenciais com o objetivo de debater, ajustar e melhorar as propostas feitas pela Entidade Gestora, que foram dividas em 3 grandes temas: Governança Popular; Plano Participativo e Fluxos de Projetos; além de Crédito e Microcrédito.
A atividade garantiu a participação de representantes de todas as cinco regiões atingidas da bacia do rio Paraopeba e da represa de Três Marias, sendo reservadas vagas específicas aos familiares de vítimas fatais e aos Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs). Na plenária de votação, foram apresentadas as propostas de consenso e as propostas alternativas de encaminhamento, debatidas entre as pessoas atingidas ao longo das reuniões anteriores.
O início do Encontro: protagonismo popular e diálogos inter-regionais
O encontro teve início na manhã de sábado com um momento de mística acolhendo os representantes de todas as cinco regiões, incluindo os Povos e Comunidades Tradicionais e familiares de vítimas fatais. Em oração, as pessoas presentes fizeram memória às 272 joias que perderam as suas vidas em decorrência do desastre-crime da Vale. Na sequência, durante a abertura do evento, dois representantes de cada região tiveram a oportunidade de falar das suas expectativas e preocupações para que o Anexo 1.1 tenha, de fato, as pessoas atingidas como protagonistas do processo. Confira as pessoas presentes na mesa de abertura:
- Maria Regina da Silva, representando a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão-Brumadinho (AVABRUM);
- Maria Aparecida da Silva Soares, conhecida como Paré, familiar de vítima fatal e representante da Região 1;
- Nair de Fátima, representando os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) da Região 1;
- Michelle Rocha, representando a Região 2;
- Babá Edvaldo de Jesus, representando os Povos e Comunidades de Tradição Religiosa Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA – Região 2);
- Abdalah Nacif Neto, representando a Região 3;
- Marilei Aparecida Alves, representando os PCTs da Região 3;
- Eunice Ferreira Godinho, representando a Região 4;
- Carina Augusta Melgaço, representando os PCTs da Região 4;
- Vanessa Priscila da Silva Andrade, representando a Região 5;
- Sebastião da Fonseca Leal (Tião), representando os PCTs da Região 5;
- Gabriela Cristina Ramalho, representando o Ministério Público Federal (MPF);
- Paulo Cesar Vicente de Lima, representando a Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (CIMOS) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG);
- Bráulio Santos Rabelo de Araújo e Antônio Lopes de Carvalho Filho, representando a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG);
- Samuel da Silva, representante da Entidade Gestora e Secretário Executivo da Cáritas Minas Gerais.
Mesa de abertura. Foto: Felipe Cunha/Aedas
Durante a mesa de abertura, Samuel da Silva, Secretário Executivo da Cáritas Minas Gerais, destacou a missão da Instituição em defesa da vida e reafirmou o compromisso da Entidade Gestora em construir uma Proposta Definitiva que seja dialogada e idealizada a partir das necessidades das pessoas atingidas. Para tanto, Samuel relembra o processo de organização das comunidades na construção das propostas durante os 90 dias, importante para que essas representem de fato suas demandas e vivências. “A avaliação da Entidade Gestora é extremamente positiva, apesar dos desafios. Primeiramente a gente faz memória a essa tragédia-crime que ceifou a vida de mais de 270 pessoas, fez um dano ambiental terrível na bacia do Paraopeba e afetou a vida de milhares de pessoas. E essas pessoas conseguem, após esse período todo, se organizar para lutar por direitos e, principalmente, dizer o que pensa sobre o que será um processo de reparação, ou um processo de desenvolvimento dos territórios, de fato com a cara das comunidades”, afirma.
Após a mesa de abertura, os participantes se organizaram em grupos para debater as propostas apresentadas no Caderno do Encontro Inter-regional: Guia para discussões do Espaço 5, que estavam divididas em 3 grandes temas: 1) Governança Popular; 2) Plano Participativo e Fluxos de Projetos e 3) Crédito e Microcrédito – para cada um desses eixos, foram discutidos diversos assuntos. Logo na sequência, as pessoas se dirigiram para a Plenária para iniciar o processo de votação.
Os representantes tiveram espaço de fala para apresentar suas discordâncias e contribuições para melhorias dos pontos que constituem a Proposta Definitiva. Ao final, 86 propostas foram validadas por meio do voto popular das pessoas eleitas como representantes para o Encontro, representando suas comunidades. A única proposta que não foi aprovada pela plenária será encaminhada, junto à proposta definitiva, às Instituições de Justiça para definição da melhor forma de encaminhamento com as pessoas atingidas.
Plenária para discussão e votação das propostas. Foto: Luísa Campos/Cáritas
As propostas votadas no Encontro Inter-regional constroem a Proposta Definitiva para execução de parte dos recursos do Anexo 1.1 que será entregue pela Entidade Gestora às Instituições de Justiça que, por sua vez, farão as análises necessárias. Posteriormente, o documento será enviado ao juiz para sua homologação, se validada, inicia-se o processo de execução do Anexo 1.1.
Durante o encontro, foi organizado uma Mostra de produtos da bacia do Paraopeba e represa de Três Marias, proporcionando um espaço de exposição e comercialização direta, além de um momento de trocas solidárias, apresentações culturais e artísticas em apoio aos diversos talentos das cinco regiões.
Além da Mostra de produtos, troca de sabores, saberes e cultura das pessoas atingidas, o Encontro Inter-regional garantiu o cuidado e o protagonismo de 29 crianças e adolescentes das cinco regiões da Bacia do rio Paraopeba e da represa de Três Marias que também vivem as consequências do rompimento da barragem. Por meio da arte e da alegria, os pequenos se mostraram atentos e comprometidos com a luta pela reparação.
Junto com as equipes das ATIs, trabalhadoras do projeto Arte da Saúde: Ateliê de cidadania, executado pela Cáritas, aplicaram metodologias adequadas para cada faixa etária para abordar temas como educação financeira, crise climática e disque reparação. Atividades específicas como teatro, música, grafite, atividades lúdicas, filmes, oficinas e confecção de cartazes foram desenvolvidas com as crianças e adolescentes. Durante o almoço de domingo, os pequenos fizeram uma intervenção cantando, batucando e apresentando os trabalhos realizados ao longo do Encontro.
Palhaça Spuleta, monitora do Arte da Saúde. Foto: Janaina Rocha e Luana Farias
Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs)
A participação efetiva dos povos e comunidades tradicionais atingidos, desde a elaboração do Plano de Ação, tem sido fundamental e uma premissa na execução do Anexo 1.1.
Seguindo a legislação e o Protocolo de Consulta sobre os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais, durante o Encontro Inter-regional, os PCT's tiveram espaços para debater e votar as suas questões, especificidades e demandas próprias para a gestão do Anexo 1.1.
Dois momentos principais foram garantidos para os Povos e Comunidades Tradicionais: o grupo de debates com aprovação das propostas específicas dos PCT’s e a Plenária Geral. Nos dois espaços foram debatidos os temas da Governança Popular; Plano Participativo e Fluxo de Projetos; e Crédito e Microcrédito.
Ênio Clécio, representante da comunidade Quilombo da Pontinha, município de Paraopeba, avalia de forma positiva a participação no Espaço 5. “Foi um encontro muito produtivo, com muitas trocas de experiências, tanto com povos tradicionais quanto com o geral. Estamos com uma expectativa ótima com esse Plano de Trabalho. A comunidade já está esperando há algum tempo, então agora é hora da gente finalizar essa construção aqui e de fazer alguns projetos para a comunidade e contemplar não só a comunidade do Quilombo da Pontinha, mas a bacia como um todo”, disse.
Ao longo dos dois dias de Encontro, os Povos e Comunidades Tradicionais da bacia do rio Paraopeba e represa de Três Marias, além de debaterem as suas propostas, também tiveram a oportunidade de mostrar toda a sua beleza, espiritualidade, sabedoria e potência frente aos desafios da reparação.
Momento de confraternização durante o intervalo do café de domingo, dia 09. Foto: Luísa Campos/Cáritas
90 dias de construção da Proposta Definitiva
O período de 90 dias foi o prazo estabelecido no Edital de Seleção pública para que a Entidade Gestora apresentasse uma Proposta Definitiva para o gerenciamento de parte dos recursos. Durante esse percurso, a Entidade Gestora se comprometeu e criou mecanismos para elaborar uma proposta feita de forma participativa e transparente, em conjunto com as pessoas atingidas. Ao todo, aproximadamente 50 reuniões presenciais foram realizadas. A metodologia adotada pela Entidade Gestora compreendeu cinco Espaços de participação junto às comunidades, com o apoio das suas respectivas Assessorias Técnicas Independentes.
O Espaço 1, que iniciou em março de 2024, teve o objetivo de apresentar a Entidade Gestora para as pessoas atingidas, assim como apresentar, também, o caminho proposto para os 90 dias e os elementos-chave presentes na Proposta básica. O Espaço 2 foi dedicado à discussão dos temas centrais do documento inicial: Governança Popular; Plano Participativo e Fluxo de Projetos; além de Crédito e Microcrédito. O Espaço 3 foi específico para os familiares de vítimas fatais; residentes da Zona Quente; Povos e Comunidades Tradicionais e outras coletividades vulnerabilizadas debaterem os mesmos temas do Espaço 2, no entanto, de forma individualizada, considerando as suas necessidades. Durante o Espaço 4, a partir das discussões, contribuições e elaborações feitas nos Espaços 02 e 03, a Entidade Gestora apresentou um esboço, ou seja, um desenho de uma Proposta Definitiva. As pessoas atingidas puderam dar mais contribuições neste momento, além da preparação para a etapa final dos 90 dias, com definição de representantes por região para participarem, com direito a voto, do Encontro Inter-regional, que foi o Espaço 5.
A metodologia de idealização do Anexo 1.1, garantindo a participação das pessoas atingidas em todas as etapas construtivas, representa um feito inédito no processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Vale na Bacia do Rio Paraopeba e Represa de Três Marias.
O que é o Anexo 1.1?
Ocorrido em 25 de janeiro de 2019, o rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, de responsabilidade da Vale S.A., vitimou 272 pessoas e causou extensos danos econômicos, sociais e ambientais ao longo da bacia do rio Paraopeba e da represa de Três Marias. Ao todo, 26 municípios são considerados atingidos pelas consequências do desastre-crime e mais de 300 km do rio Paraopeba, que deságua na represa de Três Marias, foram contaminados.
O Anexo 1.1: Projeto de demandas das Comunidades Atingidas faz parte do Programa de Reparação Socioeconômica do Acordo Judicial de Reparação. É uma iniciativa pioneira no Brasil, uma vez que trata de uma parcela da reparação que será construída e executada de forma democrática, com participação das pessoas atingidas em todos os momentos de decisão.
O projeto visa fomentar a geração de trabalho e renda, promover o acesso à cultura, esporte e lazer, melhorar a qualidade de vida e saúde das comunidades afetadas pelo rompimento da barragem. Com um recurso total previsto de R$3 bilhões — sendo R$1 bilhão destinado a crédito e microcrédito e R$2 bilhões para projetos comunitários —, o Anexo 1.1 busca reparar e revitalizar as comunidades atingidas, garantindo um futuro mais sustentável e digno para todas as pessoas envolvidas. Contudo, para a etapa inicial, a gestão que a Entidade Gestora, liderada pela Cáritas, fará é de R$300 milhões, sendo que um terço é para o financiamento de projetos de crédito e microcrédito (R$100 milhões), e dois terços (R$200 milhões) para o financiamento de projetos sociais de base comunitária, incluída a remuneração da pessoa jurídica gestora.
Quem é a Entidade Gestora?
É uma parceria firmada entre as entidades escolhidas no Edital de Seleção Pública das Instituições de Justiça: Cáritas Regional Minas Gerais, Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB), o Instituto E-dinheiro Brasil, e o Instituto Conexões Sustentáveis (Conexsus). Líder dessa parceria, a Cáritas é um organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que tem como objetivo defender e promover toda forma de vida, trabalhando na defesa dos direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social, favorecendo ferramentas para transformar suas vidas.
No dia 20.05.2024, o Instituto Conexões Sustentáveis, a Conexsus, informou em ofício, a sua intenção de saída da parceria com a Entidade Gestora no momento de implementação, ou seja, para os primeiros dois anos de execução do Anexo 1.1. Durante a construção da Proposta Definitiva, não há qualquer previsão de alteração. Mesmo com a eventual saída da Conexsus, a liderança e responsabilidade pela execução do projeto continuam sendo da Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais.
Confira o vídeo do Encontro Inter-regional.