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Entenda a decisão que absolveu réus da ação penal em relação ao rompimento da barragem de Fundão

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Decisão publicada em 14 de novembro considera que as provas apresentadas são insuficientes para estabelecer responsabilidade criminal.

Publicação: 03/12/2024


Quase um ano depois do rompimento da barragem de Fundão, em outubro de 2016, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou na esfera criminal 22 pessoas e 4 empresas (Samarco, Vale, BHP e VogBR) para serem responsabilizadas pelo ocorrido. Dentre as pessoas físicas - que incluíam diretores, gerentes, técnicos das mineradoras - 21 foram denunciadas por homicídio qualificado, inundação, desabamento, lesões corporais graves e crimes ambientais, e uma pessoa (o técnico da VogBR), por apresentação de laudo ambiental falso. Ninguém chegou a ser preso, nem em caráter preventivo ou temporário.

Em 2019, os crimes de homicídio foram retirados do processo. Na época, a Justiça Federal entendeu que as mortes foram causadas pela inundação e os réus não possuíam responsabilidade direta. Ao longo desses anos, dois crimes previstos na Lei 9.605/1998 - Lei de Crimes Ambientais prescreveram: 

Art. 49. Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia; 

Art. 50. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação. 

Restaram 11 réus neste processo criminal - 7 pessoas e 4 empresas. No entanto, em 14 de novembro, todos os acusados foram absolvidos pela juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, do Tribunal Regional Federal da 6º Região, da subseção de Ponte Nova/MG. Abaixo estão listados os réus e os crimes dos quais foram acusados:

Ricardo Vescovi de Aragão

Diretor-presidente da Samarco entre 2012 e 2015

  • inundação qualificada (art. 254 do Código Penal);

  • desabamento (art. 256 do Código Penal);

  • 10 crimes ambientais (artigos 29, 33, 38, 38-A, 40, 54, 62, 68, 69 e 69-A da Lei 9.605/1998 - Lei de Crimes Ambientais).

Kleber Luiz de Mendonça Terra 

Diretor de Operações e Infraestrutura da Samarco entre 2012 e 2015

Germano Silva Lopes 

Gerente-geral de Projetos Estruturantes entre 2014 e 2015

Wagner Milagres Alves

Gerente-geral de Operação de Mina entre 2014 e 2015

Daviély Rodrigues Silva

Gerente de geotecnia entre 2008 e 2015

Paulo Roberto Bandeira

Representante da Vale na Governança da Samarco

Samuel Paes Loures 

Engenheiro da VogBr

VogBR Recursos Hídricos e Geotecnia

Samarco Mineração

Vale 

BHP Billiton Brasil


Contextualização e decisão da juíza do TRF-6 

O Ministério Público Federal possuía basicamente duas frentes para sustentar sua acusação, sendo elas:

  1. Crimes diretamente ligados ao rompimento - mortes, lesões corporais, desabamentos e crimes ambientais. Segundo o MPF, os réus (mineradoras e pessoas físicas) estavam “cientes dos problemas graves que se acumulavam e comprometiam o adequado funcionamento da estrutura de deposição de rejeitos, de modo que admitiram o incremento da situação de risco e se omitiram quando podiam e deviam agir para evitar os resultados catastróficos”;
  2. Crimes contra a administração ambiental, como por exemplo A VogBR e seu técnico responsável elaborarem e apresentarem uma Declaração de Estabilidade falsa e enganosa.

O MPF argumentava que a Samarco estava ciente dos riscos e teria reduzido custos relacionados à segurança de suas barragens, o que teria contribuído para o rompimento. No entanto, a juíza do TRF-6 refutou essa alegação, afirmando que as análises da Polícia Federal e da Procuradoria não foram conclusivas. 

Para a juíza Patrícia Carvalho, não foi constatada relação causal entre as condutas individuais e o rompimento da barragem. Para sua decisão, ela considerou a “ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal” direta e individual de cada réu. Assim, ela absolveu tanto as empresas quanto as pessoas físicas acusadas de crimes ambientais.

Respostas à absolvição

A decisão publicada é de primeira instância, ou seja, coube recurso das partes. Nesse contexto, o MPF interpôs recurso de apelação em 18 de novembro 2024, que foi recebido em 21 de novembro 2024, pela juíza federal de primeiro grau e remetido para julgamento do Tribunal Regional Federal da 6ª região.

Além disso, os movimentos sociais e Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) que trabalham na bacia do Rio Doce se pronunciaram sobre essa decisão. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) publicou uma nota repudiando a absolvição dos réus:

Diante de inúmeros indícios da ciência que as empresas criminosas tinham sobre o risco de rompimento da estrutura e a negligência com que trataram o caso – utilizando-se inclusive de laudo ambiental falso – é um disparate o entendimento de que não há nexo causal entre o crime e os indiciados. A decisão da magistrada acontece em um momento extremamente favorável para as mineradoras criminosas, que se apressaram em assinar um acordo de repactuação às vésperas de completar nove anos do crime socioambiental e do início do julgamento em Londres, que também decidirá sobre a responsabilidade da empresa BHP Billiton sobre o rompimento da barragem. Questionamos o verdadeiro propósito dessas recentes e intensas condutas da Justiça brasileira – após um longo hiato de decisões sobre o caso – frente à tramitação do processo na Corte Britânica. (Trecho da nota publicada no site do MAB)


A Cáritas Diocesana de Itabira, que é ATI do Território 1 – Rio Casca e adjacências (MG) e do Território 2 – Região de Influência do Parque Estadual do Rio Doce e sua Zona de Amortecimento (MG), afirmou em sua nota: “Há nove anos, as pessoas que tiveram seus modos de vida profundamente alterados veem as tratativas relacionadas ao rompimento ocorrerem sem a participação de quem sofreu e sofre pelos danos causados.” (Trecho da nota publicada no perfil do Instagram).

Da mesma forma, a Aedas - Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social, se posicionou enquanto ATI dos seguintes territórios: Território 3 – Vale do Aço (MG); Território 6 – Conselheiro Pena (MG); Território 7 – Resplendor e Itueta (MG) e Território 8 – Aimorés (MG).

Para as pessoas que tiveram seus modos de vidas devastados desde 2015, a decisão que traz como uma das justificativas a ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal, reforça o sentimento de impunidade, ignorando a dor, o sofrimento e as consequências que persistem nos territórios e nas vidas das famílias atingidas há nove anos. (Trecho da nota publicada no perfil do Instagram)


Soma-se a elas o posicionamento da Cáritas MG|ATI Mariana de que a absolvição dos envolvidos no caso pode abrir precedentes perigosos, incentivando a prática de ações que comprometem a integridade das instituições e da democracia. Caso as pessoas que podem ser responsabilizadas fiquem isentas de punição, haverá uma mensagem nítida de impunidade, o que pode levar a outros rompimentos no sistema político e jurídico. O avanço da mineração em Minas Gerais tem sido uma das principais causas da destruição de territórios, impactando diretamente o meio ambiente, as comunidades locais e o patrimônio natural do estado. 

Minas Gerais, tradicionalmente um dos maiores polos de extração mineral do Brasil, enfrenta uma expansão acelerada da atividade de mineração, que tem gerado um conjunto de problemas ambientais e sociais, com efeitos devastadores que já são visíveis. A impunidade alimenta a continuidade de práticas irresponsáveis, em um setor que, em muitos casos, prioriza o lucro em detrimento da segurança e do bem-estar das comunidades. O avanço de projetos mineradores, como o de Longo Prazo da Samarco, muitas vezes sem a devida análise técnica e sem respeito aos direitos das populações locais, está diretamente ligado à falta de responsabilização de quem causou o rompimento de Fundão. Sem a imposição de penas severas, as mineradoras tendem a repetir os erros, assumindo que podem arcar com as consequências econômicas, mas não com as punições legais. No contraponto, vidas reiteradamente assoladas.

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