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Fundo de investimento minerário lança relatório sobre visita às comunidades atingidas por barragens

Geral

Das visitas, o fundo estruturou um relatório com apontamentos e cobranças às mineradoras. Agora, o material foi traduzido para o português.

Publicação: 08/02/2024


Desde os desastres-crime em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, em novembro de 2015, e o de Brumadinho, em janeiro de 2019, sobreviventes dos rompimentos e comunidades atingidas estão em mobilização popular. As lutas são em memória das vítimas fatais, por reconhecimento de muitas comunidades enquanto atingidas, por justiça, reparação socioeconômica integral justa e reparação ambiental. 

Entre as estratégias de luta, está o diálogo com grupos de investidores do setor minerário. Desde 2018, por exemplo, a Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF) e atingidos e atingidas de Brumadinho organizam encontros com grupos internacionais. A proposta partiu das próprias pessoas atingidas com o objetivo de cobrar dos acionistas responsabilidade com seus investimentos, além de denunciar a ausência de reparação e justiça nos crimes socioambientais ocorridos em Minas Gerais. 

Em agosto de 2022, o Fórum dos Fundos de Pensão das Autoridades Locais (LAPFF, sigla em inglês) visitou comunidades afetadas pelas consequências dos maiores desastres-crime envolvendo barragens de mineração da história do país. Representantes da LAPFF estiveram em localidades afetadas pelas consequências do rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco (empresa conjunta da BHP e Vale), que rompeu no distrito de Bento Rodrigues em novembro de 2015 e causou 19 mortes e graves danos socioeconômicos ao longo da Bacia do Rio Doce; e do rompimento da mineradora Vale em Brumadinho, em janeiro de 2019, que vitimou 272 pessoas e impactou profundamente 26 comunidades ao longo da Bacia do Paraopeba e da Represa de Três Marias.

Ainda no mesmo período, a organização visitou Conceição do Mato Dentro, cidade afetada pelo projeto Minas-Rio da Anglo American. O empreendimento minerário não rompeu, entretanto, a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB), instituída em 2021, amplia o reconhecimento das comunidades atingidas ao determinar que há grandes interferências na dinâmica social e ambiental a partir da construção, instalação, operação, ampliação, manutenção ou desativação de barragens na área afetada.

Em Conceição do Mato Dentro, moradores convivem com o medo constante de um rompimento acontecer, além das alterações ambientais provocadas pela operação da Anglo American, como o presidente da LAPFF, Doug McMurdo, explica no editorial do relatório: “As comunidades levantaram outras preocupações relacionadas à mineração, incluindo os elevados níveis de poeira e suas consequências para a saúde. A poeira era tão densa que mal podíamos enxergar à nossa frente enquanto estávamos dirigindo. Elas também mencionaram interrupções causadas pelo barulho gerado quando explosivos são detonados na mina”. 

A maior parte das visitas aconteceram junto a moradores das comunidades atingidas. A LAPFF também se reuniu com representantes da Vale, Samarco e investidores brasileiros para discutir descobertas e resultados do relatório. 


Relatório traduzido para o português

Das visitas, a LAPFF construiu o relatório “Compreendendo o risco de investimento no setor de mineração: Brasil”, publicado em 2023 que, agora, conta com tradução disponível em português. De acordo com a organização, o material tem como objetivo incentivar investidores brasileiros a desempenharem um papel mais ativo na pressão sobre as mineradoras na resolução das reparações lentas e inadequadas relacionadas aos desastres-crimes analisados pela instituição. 

Doug McMurdo está à frente da entidade que reúne fundos com ativos combinados de mais de 350 bilhões de libras esterlinas (US$ 425 bilhões) e quer fazer uma avaliação para os investidores de como as tragédias foram tratadas: “Meus maiores e sinceros agradecimentos vão para os membros da comunidade, representantes das empresas e investidores brasileiros que se reuniram comigo durante minha visita ao Brasil. Reconheço que algum progresso foi feito em relação às reparações, mas todos concordamos que não foi rápido o suficiente e permanece deficiente em alguns aspectos. Além dos custos humanos e ambientais, os crescentes custos financeiros continuam preocupando a LAPFF e outros investidores. Espero que este relatório traduzido seja um lembrete para todas as partes interessadas de que precisamos priorizar reparações adequadas o mais rápido possível para avançarmos de maneira sustentável”.

Mônica dos Santos é membro da Comissão de Pessoas Afetadas pela Barragem de Fundão em Mariana, e declarou: “A tradução deste relatório para o português foi uma demanda das comunidades para que todos tenham acesso às informações produzidas. Estamos satisfeitos que o compromisso feito pela LAPFF tenha sido cumprido. Acreditamos que, assim como a LAPFF, outros grupos de investidores precisam fazer mais esforços para entender a realidade dos impactos que seus investimentos têm sobre as comunidades. O que as empresas colocam em seus relatórios nem sempre reflete a realidade. Esperamos que sirva de exemplo para outros grupos de investidores.”

O relatório informa que, até o momento, a BHP não entrou em contato com a LAPFF para dialogar sobre a visita à Mariana, e a Vale raramente menciona o incidente da Samarco em seus encontros com investidores. A LAPFF acredita que isso se deve, em parte, ao fato de a Samarco ser uma joint venture.

Acesse o relatório em português aqui.


Organização observa questões críticas nos locais afetados por rompimentos

O relatório aponta três grandes preocupações: sociais, ambientais e com a governança. As preocupações sociais se referem à segurança e à falta de comunicação entre empresas e comunidades, além de acesso a internet; à temática da saúde, com preocupação sobre a contaminação da água, a convivência constante com poeira, efeitos crônicos, saúde mental e saúde das crianças; perda de renda/ problemas relacionados à propriedade; e impactos culturais. 

No âmbito das preocupações ambientais, o relatório aponta as condições de disponibilidade, qualidade e acessibilidade da água; qualidade do ar; condições do solo; e as mudanças climáticas. 

Sobre a governança, o material aponta a supervisão e a segurança das barragens de rejeitos, a falta de clareza nos procedimentos de evacuação e a prevenção de futuros rompimentos; responsabilização, com acordos legais, Joint Ventures (empreendimentos conjuntos), e liderança organizacional; processos de diligência, envolvendo monitoramento e comunicação com as partes interessadas. 

De maneira consistente, em todas as áreas visitadas, a LAPFF identificou preocupações comuns, como a falta de engajamento das empresas com as comunidades afetadas, a lentidão e insuficiência das reparações após os rompimentos das barragens, os impactos ambientais, especialmente relacionados às fontes de água, e as preocupações com a segurança das barragens. Essas questões básicas, porém críticas, refletem desafios contínuos que exigem uma resposta efetiva e sustentável das empresas envolvidas e das autoridades responsáveis.

As conclusões são resultantes das interações da LAPFF com membros e grupos das comunidades, representantes das empresas, bem como com acadêmicos, políticos e outros funcionários públicos durante a visita no Brasil. 

Pensando nos investidores, as constatações foram categorizadas como impactos sociais, ambientais ou de governança. No entanto, o relatório informa que é importante observar que as conclusões se encaixam em variadas categorias. Um foco especial foi dado às preocupações relacionadas aos direitos à água, uma vez que foram preocupações recorrentes, relevantes e consistentes em todas as comunidades visitadas. 


Por Luísa Campos, da Cáritas Regional Minas Gerais

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