Serranópolis de Minas, cidade ao norte de Minas Gerais, foi palco de mais um encontro histórico para o fortalecimento da agroecologia mineira. Nos dias 20 e 21 de agosto, guardiãs e guardiões de sementes crioulas, vindos de nove microrregiões do semiárido, se reuniram para fortalecer a rede de preservação da agrobiodiversidade e celebrar a importância das sementes para a segurança alimentar e nutricional dos territórios.
O evento “Semeando o catálogo popular de Sementes da Gente e troca de saberes sobre a produção de sementes” foi organizado pela Cáritas Regional MG e faz parte do projeto "Implementação do Banco Popular de Sementes Crioulas no estado de Minas Gerais", executado pelo regional no âmbito do Termo de Fomento nº 930111/2022, celebrado junto ao Ministério de Trabalho e Renda.
Durante dois dias de evento, agricultoras e agricultores de diferentes regiões do semiárido mineiro compartilharam experiências e desafios na preservação das sementes tradicionais. A programação foi estruturada de forma a construir um espaço intenso de trocas de saberes e experiências sobre a conservação e multiplicação das sementes crioulas. As guardiãs e os guardiões foram recepcionados na manhã de quarta-feira, 21 de agosto, com um “café com prosa”, momento em que puderam realizar o credenciamento e conhecer outros grupos participantes, enquanto tomavam café e degustavam quitutes do Norte de Minas. A abertura do encontro foi dedicada à apresentação dos representantes de nove microrregiões do semiárido do estado: Alto Rio Pardo; Gerais da Serra; Serra Geral; Planalto Franciscano (Montes Claros); Planalto Franciscano (Varzelândia); Baixada São Franciscana; Baixo Jequitinhonha, Médio Jequitinhonha e Alto Jequitinhonha.
Foto: Joice Valverde/Cáritas MG
Semeando os conhecimentos em agroecologia
Na parte da tarde, os participantes se envolveram em um intercâmbio de saberes, ao visitarem a casa de Geraldo Gomes, guardião de sementes da comunidade de Touro, em Serranópolis de Minas. Lá, um primeiro grupo de participantes conheceu de perto o trabalho de conservação das sementes crioulas e discutiram a importância dessas variedades para a agricultura sustentável e a preservação da nossa biodiversidade. Enquanto isso, a outra parte do grupo se reuniu em um momento de formação e estudo sobre a cartilha “Troca de saberes sobre Sementes da Gente”, material fruto de oficinas estaduais e regionais ofertadas pela Cáritas Regional Minas Gerais junto às guardiãs e aos guardiões de sementes crioulas no estado.
O segundo dia foi dedicado à roda de conversa “Sementes Crioulas e as Políticas Públicas: iniciativas exitosas e desafios para a compra e distribuição”, que contou com a participação de Elton Mendes, Presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Porteirinha; Lucelia Alencar Cordeiro Almeida, Presidenta do Sindicato de Trabalhadores Rurais Varzelândia; Max Vinícius Aguiar, Prefeito de Serranópolis de Minas; e Germana Platão, Assessora da Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais.
Depois, foi o momento da feira de sementes, onde os participantes puderam trocar variedades de sementes crioulas, em um movimento de fortalecimento da rede de solidariedade entre os agricultores. O Semeando também realizou homenagens às guardiãs e aos guardiões, com a entrega de um certificado que reconhece cada uma das pessoas presentes como protetores da vida e da Casa Comum.
Foto: Luísa Campos/Cáritas MG
Ao fim do evento, foi realizada a leitura da “Carta compromisso da Rede de Guardiões e Guardiãs Semente da Gente aos candidatos e candidatas às eleições de 2024”. O documento enfatizou a necessidade de políticas públicas que garantam a preservação das sementes crioulas e a promoção da agroecologia nos territórios.
A carta, direcionada aos candidatos às eleições municipais deste ano, reforça a importância de políticas que valorizem a agricultura familiar e a produção de alimentos livres de agrotóxicos – o Brasil é o líder mundial no consumo de agrotóxicos e, também, um dos principais receptores de substâncias proibidas nos Estados Unidos e na União Europeia.
Guardiãs e Guardiões de sementes: protetores da nossa biodiversidade
Protetoras e protetores do nosso bem comum, fundamental para a vida em nosso planeta, as guardiãs e os guardiões são pessoas que se articulam em rede, ao longo de territórios, para manutenção da agrobiodiversidade por meio da conservação das sementes crioulas. Ao mesmo tempo, se dedicam ao fomento da agroecologia, às trocas genéticas e ao intercâmbio de conhecimentos, freando o avanço da privatização dos bens e dos recursos naturais do semiárido de Minas Gerais
As sementes crioulas, também conhecidas por “Sementes da Liberdade” em Sergipe; “Sementes da Paixão” na Paraíba; “Sementes da Fartura” no Piauí; e por “Sementes da Gente” em Minas Gerais, significam autonomia e segurança alimentar para milhares de famílias agricultoras. Além disso, representam a história e o patrimônio de um povo que conserva esse bem comum de geração em geração, possibilitando a manutenção da agrobiodiversidade e dos saberes que se relacionam com as práticas tradicionais de conversação do meio ambiente.
São sementes que simbolizam variedades de plantas que foram desenvolvidas, selecionadas e cultivadas por gerações, sem a interferência de técnicas de melhoramento genético. São, portanto, um presente dos nossos ancestrais, um legado de sabedoria, alimento e adaptação para as gerações futuras. A relação de cultivo tradicional, assumindo o estado natural das sementes e da terra, faz com que elas se adaptem perfeitamente às condições específicas de cada região, o que as torna mais resistentes à pragas, doenças e às mudanças climáticas.
Foto: Luísa Campos/Cáritas MG
As sementes crioulas são mais do que simples grãos: fazem parte da base da nossa alimentação, de nossa cultura e de nossa soberania alimentar. Ter em mãos a própria semente é a alternativa mais importante para a construção de autonomia na produção de alimentos. Por isso é tão fundamental termos o controle sobre este bem comum, trabalhando, produzindo, guardando e compartilhando: diz respeito a um patrimônio dos povos, da soberania alimentar e, portanto, da nossa Gente.