Cerca de 300 pessoas estiveram presentes no Encontro Popular de Lideranças da Bacia do Rio Doce, em Governador Valadares, nos dias 26 e 27 de março. Foram discutidas as pautas em comum entre as regiões atingidas para a construção de um Plano Popular por um Rio Doce vivo, justo e sem fome como resposta ao anseio da participação das vítimas do crime do rompimento da barragem de Fundão no processo de repactuação do caso. O evento contou com a participação de pessoas atingidas do alto, médio e baixo Rio Doce, assessorias técnicas independentes, pastorais e movimentos sociais.
O documento elaborado no encontro foi entregue ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Luiz Fux, em reunião no dia 29 de março. A Cáritas Regional Minas Gerais esteve presente na solenidade juntamente com representantes de movimentos de atingidos por barragens, além dos deputados integrantes da Comissão Externa da Câmara dos Deputados sobre o rompimento da barragem de Fundão, Rogério Correia, Helder Salomão e Leonardo Monteiro.
Lanla Soares, moradora de Governador Valadares (MG), é filha de pescador e abraçou a luta pelos direitos das pessoas atingidas para defender seu pai e em prol dos pescadores, ilheiros e agricultores familiares de sua cidade. Ela representa uma característica da bandeira das pessoas atingidas: a coletividade. Diante do tamanho das mineradoras, a união dessas pessoas tão distintas entre si garante mais chances de vitórias. “É desgastante porque durante todo esse tempo temos sentido muitas violações de direitos na própria pele, a luta é constante, a gente não pode baixar a guarda. Mas mesmo assim eu entrei para a comissão de atingidos de Valadares, pois a gente não luta só pelo nosso objetivo, a gente luta no coletivo. A gente não encabeça uma luta individual”, reflete Lanla.
A partir do entendimento da força conjunta, o encontro construiu pautas em comum entre os territórios atingidos relevantes para o processo de repactuação na ótica das pessoas atingidas e levantou bandeiras de lutas importantes nesse processo. Sendo assim, foi construído um calendário de ações e mobilizações que acontecerão durante o mês de abril. Eliana de Araújo era moradora de Paracatu de Baixo, em Mariana (MG), quando o crime ocorreu, ela avalia o encontro como algo positivo. “Foi muito importante ter esse evento porque agora a gente consegue avisar às pessoas o que está acontecendo e os atingidos terem sua voz ouvida. É importante ter esses espaços para sabermos o que está acontecendo e podermos lutar”, defende.
Contexto da repactuação
O rompimento da barragem de Fundão, em 05 de novembro de 2015, na cidade de Mariana, deixou um rastro de destruição ao longo da bacia do Rio Doce, chegando até o litoral do Espírito Santo. Seis anos após o maior crime socioambiental do Brasil, as pessoas atingidas ainda lutam por reparação dos danos cometidos pelas mineradoras. “Eu faço parte da fiscalização de obras [do reassentamento de Paracatu], a cada 15 dias vamos no reassentamento, mas não vemos muito desempenho. Pelo tempo, já era para ter várias casas prontas, é bem desanimador”, relata Eliana Araújo.
Nesse cenário de descaso, o processo de repactuação do caso da Samarco (Vale e BHP) começou em junho de 2021, com a assinatura da Carta de Premissas entre os governos de Minas Gerais, Espírito Santo e a União, junto às instituições de Justiça. O início dessas tratativas se deu após o acordo estabelecido com o Estado de Minas Gerais e a Vale em relação ao rompimento da barragem em Brumadinho.
Desde o início do processo, foram feitas críticas à não participação das vítimas do crime na mesa de negociações. Anteriormente, tanto o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), firmado em março de 2016 - que estabeleceu 42 programas de reparação e instituiu a criação da Fundação Renova -, e o Termo de Ajustamento de Conduta Governança (TAC Gov), homologado em agosto de 2018 para definir um novo sistema administrativo para a Fundação Renova, não tiveram a participação de pessoas atingidas. Juntamente aos movimentos e pastorais sociais, comissões de atingidos e atingidas reivindicam a participação efetiva daqueles que sofrem diariamente os efeitos do crime das mineradoras.
Leandro Albuquerque, pescador de Conceição da Barra (ES), sente na pele diariamente os impactos do crime e está desapontado pela condução do processo de repactuação. “Nos sentimos excluídos porque somos as vítimas. Mas quem sempre fala primeiro é a criminosa da Vale ou o governo, responsável pelo recurso que vai entrar no estado”. No entanto, ele tem confiança que a articulação da bacia do Rio Doce pode ter bons frutos. “Depois daqui vamos levar aos territórios as pautas que foram discutidas coletivamente. E assim vamos mobilizar as pessoas para participarem”, diz.
O Encontro Popular de Lideranças da Bacia do Rio Doce - “Por um Rio Doce vivo, justo e sem fome” foi uma realização do Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) do Espírito Santo, Cáritas Brasileira Regional de Minas Gerais, Fórum Permanente em Defesa da Bacia do Rio Doce e Comissões de Atingidos e Atingidas.