COLABORE

Por que é importante falar sobre o racismo ambiental no dia Nacional da Consciência Negra?

Áreas de Atuação

Data de reflexão e luta da população negra, o Dia Nacional da Consciência Negra traz a necessidade de diálogo sobre a luta racial no Brasil

Publicação: 20/11/2023


Foto: Tainara Torres/ Cáritas Diocesana de Itabira


Hoje, 20 de novembro, marca o Dia Nacional da Consciência Negra e a importância de  refletir sobre a luta da população negra pela igualdade racial e pelo combate às diversas formas de racismo, como o ambiental, estrutural e institucional.

Essa data também refere-se à morte de Zumbi dos Palmares, importante líder do Quilombo dos Palmares, situado na região hoje pertencente ao município de União dos Palmares, no estado de Alagoas, Nordeste do Brasil. O Dia Nacional da Consciência Negra também lembra que a história do Brasil é marcada pelos quase 350 anos de escravidão e do tráfico das populações negras da África para o Brasil. 

No período pós-abolição, não existiu no estado brasileiro nenhum projeto de inclusão social e reparação pela exploração das populações negras, o que desencadeou questões de desigualdade expressadas na saúde, no pleno emprego, na educação, nas moradias e entre outras. Isso ocorreu de forma intencional para que a população negra continuasse exposta para que condições de vida degradantes fossem impostas e perpetuadas para população negra.

Embora tenha passado 135 anos da lei que deu fim à escravidão mercantil (responsável por comercializar pessoas), a violência e o racismo continuam presentes nas estruturas sociais e institucionais deste país. A opressão também é manifestada pela falta de oportunidade para as pessoas negras, pela baixa remuneração, pelas tentativas de apagamento da cultura e da participação africana na construção da nação brasileira. Além disso,  pelo aniquilamento da construção do conhecimento acadêmico de negros e negras, assim como pelos dados crescentes sobre a violência policial entre outras formas de silenciamento e de violência.

Outras violações também são sentidas por grupos racializados. Constantes enchentes, alagamentos, invasão de territórios, falta de saneamento, acesso à água, coleta de lixo e rompimento de barragens são alguns exemplos que evidenciam o racismo e a injustiça ambiental sofrida por grupos vulnerabilizados, como grupos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caiçaras e pessoas que vivem em aglomerados periféricos.

O Racismo ambiental e a invisibilização das populações atingidas por grandes empreendimentos 

O Racismo Ambiental é uma das diversas formas das discriminação racial que pode ser praticada tanto pelo Governo quanto por particulares (empresas ou pessoas físicas, por exemplo). Ele atinge localidades em que existe presença majoritária de pessoas racializadas, de modo a acentuar ainda mais a desproporcionalidade de vulnerabilidade ambiental que incide sobre esses povos, visto os expor a condições de moradia prejudiciais a suas saúdes.

De acordo com dados divulgados em fevereiro deste ano pela  Agência Nacional de Mineração (ANM), são 90 barragens em situação de alerta ou emergência declarada no Brasil. O rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em novembro de 2015, alerta sobre os riscos que pessoas racializadas podem ser expostas ao se depararem com situações de desigualdade estrutural em todas as esferas da sociedade, sobretudo no contexto ambiental, onde a falta de responsabilidade com os territórios que essas pessoas habitam acaba por ditar quem serão as principais vítimas. 

O rompimento não atingiu a todos da mesma forma, o que deixou diversas famílias negras em condição de vulnerabilidade social e ambiental. Muitas delas, inclusive, situadas em comunidades do entorno do rio ou que têm a fonte de renda alterada pela perda dele, sofrem danos desproporcionais e recorrentes após o rompimento, como destaca Isis Dias, Assessora Técnica da equipe de Ciências Agrárias na Cáritas Diocesana de Itabira, revela que "o racismo ambiental conceitua o peso desproporcional que populações racializadas sofrem frente às imposições prejudiciais do desenvolvimento econômico, fazendo com que sejam impostas à situações ambientalmente indignas", explica. 

O conceito de Racismo Ambiental foi criado pelo líder afro-americano da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr. em 1981. O termo surgiu  a partir de investigações e violações sofridas pela população estadunidense por meio de irregularidades ambientais. 

No artigo intitulado “Injustiça ambiental, racismo ambiental e a marca da estratificação sócio racial nas zonas de sacrifício: o caso do bairro de Santa Cruz na cidade do Rio de Janeiro”, de acordo com os doutores Pires e Guimarães (2016, p. 03), além da falta de acesso à saúde, educação, moradia digna e trabalho, os grupos socialmente marginalizados são obrigados a arcar com os danos sofridos (por operações econômicas, como é o caso da atuação de grandes mineradoras) de forma desproporcional e quase que autônoma, o que é entendido pelas autoras como Injustiça Ambiental.

Ao falar sobre Racismo Ambiental, é necessário pensar em todo o seu desdobramento, inclusive identificar o impacto do desequilíbrio climático tanto entre as  populações negras e demais grupos étnicos-raciais que são constantemente afetadas pelos danos de ações que não praticam, assim como acontece com as comunidades atingidas por rompimento de barragem quando se vêem com a responsabilidade de buscar por novas formas de renda e de subsistência. No caso do rompimento, a busca por novas fontes de sustento ainda é prejudicada pela ausência de oportunidades para pessoas marcadas pela violência do racismo.

Os Territórios 01 (Rio Casca e Adjacências) e 02 (Parque Estadual do Rio Doce e sua Zona de Amortecimento), assessorados pela Cáritas Diocesana de Itabira, são exemplos de como o Racismo Ambiental se manifesta em diferentes formas. A perda de meios de subsistência, como agricultura e pesca, atinge de maneira mais intensa famílias que possuem uma única fonte de renda. Por isso, a desestruturação dos modos de vida resultam em prejuízos econômicos e culturais incalculáveis. 

A falta de registros adequados e as dificuldades de acesso aos programas de reparação perpetuam essas injustiças. O Racismo Ambiental se traduz na invisibilidade e na falta de reconhecimento dos danos sofridos por essas famílias. 

Outro aspecto importante é a ação imperialista sobre os recursos, como ocorre com a mineração, que além de potencializar a degradação ambiental, com a poluição do ar, do solo, dos rios e lagoas,  dentre outras ações predatórias, gera uma injustiça ambiental e aumento na desigualdade social.

A crise ambiental já existente com a atividade extrativista e mineradora, se tornou ainda mais acentuada, após o rompimento da barragem de Fundão, tendo em vista a escassez dos recursos, o que afetou drasticamente os modos de vida e saúde das pessoas atingidas, tais como: diminuição da qualidade de vida da população, devido à contaminação do solo, da água e da redução do volume hídrico; aumento de doenças, diminuição da atividade pesqueira, agropecuária, redução da renda dentre as outras  formas de subsistência; danos permanentes e irreparáveis.

Cabe ainda lembrar que o racismo ambiental está amparado pelo atual sistema de Organização estatal. Isso quer dizer que existe a propagação da ideia de que apenas esse modo de vida é o que existe e que é normal a exposição de riscos para grupos economicamente vulneráveis, que são, em grande maioria, grupos não brancos.

Assim, o racismo ambiental acaba também por se envolver com povos e comunidades tradicionais, como indígenas, ribeirinhos(as), ilheiros(as), marisqueiros(as) e quilombolas. Esses povos e comunidades possuem valores que não podem simplesmente ser indenizados ou recriados em outros lugares, tendo em vista a sua relação com a terra e água totalmente distinta  da concepção propagada como correta. Ao se retirar as possibilidade de que esses grupos tenham condições de manter seus modos de vida, a violência é ainda mais forte em razão de indiretamente estar se cometendo um genocídio cultural. A perda desses valores, crenças, costumes e referências pode significar até a morte do grupo ou dos indivíduos.

É essencial reconhecer e enfrentar as formas de racismo para garantir uma reparação justa e integral, considerando os diferentes atravessamentos que grupos racializados sofrem cotidianamente e que foram acentuados em razão do rompimento da barragem de Fundão. Para tanto, é imprescindível adotar uma ética ecologista-ambientalista antirracista pautada na centralidade do sofrimento das pessoas atingidas.

Isis reforça que "o rompimento da barragem de Fundão potencializa as desigualdades em grupos que já são atravessados pela discriminação racial , agravando ainda mais os danos socioambientais. Para grupos étnico-raciais, sobretudo aqueles que têm o seu modo de vida atrelado ao extrativismo e à agricultura familiar, o racismo ambiental compromete ainda mais o desenvolvimento e manutenção de práticas de subsistência, o que acarreta em uma grande problemática acerca da segurança alimentar. Logo, questões como contaminação da água, do solo, de peixes, etc. afetam de maneira permanente estes grupos, posto que o comprometimento do acesso à alimentação de qualidade, bem como ao lazer vinculado aos modo de vida, causa danos incalculáveis e prejudiciais ao bem-viver," completa. 

Nesse sentido, a Cáritas Diocesana de Itabira, enquanto Assessoria Técnica Independente, atua pela garantia da participação informada, o que permite a inclusão dessas pessoas invisibilizadas nos espaços decisórios em busca de uma justiça ambiental igualitária.

Por: Helder Bahia, Isis Dias, Marileide Porto, Miguel Araújo, Pedro Caldas e Tainara Torres

Tag