COLABORE

Retomada dos debates sobre contaminação

Áreas de Atuação

Nota técnica do Min. da Saúde avalia os dados recebidos de análises de contaminação nas regiões atingidas pelo rompimento de Fundão

Publicação: 28/02/2024


A contaminação do solo, das águas e dos alimentos ainda é um mistério para muitas pessoas atingidas. Isso porque, as empresas responsáveis pela reparação não cumprem o acordo de transmitir informações com transparência, linguagem objetiva e acessível. Em novembro de 2023, foi publicada uma nota técnica (nº21\2023) do Ministério da Saúde junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e das Secretarias do Estado de Saúde de MG e ES, que avalia os dados recebidos de análises de contaminação de algumas espécies e alimentos nas regiões atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, entre 2018 e 2022. A divulgação da nota provoca o desafio de discutirmos a questão da contaminação mais de oito anos após o desastre-crime e demonstra o quanto os documentos técnicos são ferramentas importantes para oferecer suporte na defesa do direito à saúde de todos que convivem com os rejeitos.

Nos anos de 2017 a 2019 foi realizado o estudo “Diagnóstico Sócio Ambiental de Mariana”, produto contratado pela Cáritas MG|ATI Mariana. O estudo foi realizado pelo Laboratório de Educação Ambiental, Arquitetura, Urbanismo, Engenharias e Pesquisa para Sustentabilidade (LEA AUEPAS) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Em contrapartida, no ano de 2018 a Fundação Renova contratou a empresa AMBIOS Engenharia e Processos LTDA para executar estudo semelhante intitulado “Avaliação de Risco a Saúde Humana (ARSH) em localidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão”.

Os dois estudos avaliaram a contaminação de metais pesados nos solos, água, sedimentos, poeira domiciliar e alimentos (leite de vaca, frutas, legumes, e ovos de galinha). Nos solos, LEA-AUEPAS identificou arsênio (As), cromo (Cr) e Mercúrio (Hg), já a AMBIOS identificou valores significativos apenas para cádmio (Cd). Nas análises da água, LEA-AUEPAS e AMBIOS identificaram os mesmos elementos contaminantes. Nos sedimentos, a AMBIOS detectou cádmio (Cd) e níquel (Ni) e na poeira domiciliar os contaminantes encontrados foram cádmio (Cd), chumbo (Pb), cobre (Cu) e zinco (Zn), também identificados pela AMBIOS.  

Sobre os contaminantes encontrados no leite de vaca, o chumbo (Pb) é o principal elemento, com valores 8 vezes maior que o permitido pela Anvisa. Os valores de arsênio (As) e mercúrio (Hg) estão dentro do que é permitido pela Anvisa, segundo dados da LEA-AUEPAS. Os dados analisados pela AMBIOS não apresentaram contaminantes detectados para leite de vaca. Já para os demais alimentados os estudos do LEA-AUEPAS apresentaram resultados generalizados, identificando os contaminantes arsênio (As) e mercúrio (Hg), mas sem valores de referência precisos, o que impossibilitou uma conclusão efetiva quanto aos valores da contaminação. A AMBIOS não relatou detecção de elementos contaminantes nos alimentos do território de Mariana. 

A Nota Técnica nº21\2023 afirma que os resultados das análises de peixes da Bacia do Rio Doce, região costeira e adjacências do litoral do estado do Espírito Santo apresentam resultados significativos para a presença de metais pesados nos pescados da região.

O “Laudo Pericial da Segurança do Alimento - Produtos Agropecuários”, relatório nº59 da AECOM, traz informações completas e precisas sobre as análises de Segurança dos Alimentos nas áreas atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundão. O risco de consumo foi verificado em vários alimentos. Portanto, é importante estarmos atentos ao fato de que, até o momento, não foram divulgadas explicações e respostas formais por parte da Fundação Renova, embora os relatórios emitidos apontem uma relação direta da contaminação com o rompimento. O nível de metais pesados presente nos peixes é superior aos limites máximos tolerados pela legislação sanitária brasileira. 

Por isso, é preciso apontar a necessidade de cuidado com o solo e água contaminadas, oferecendo tratamento de qualidade para garantir que as populações atingidas tenham condições dignas de vida. A Fundação Renova, junto aos organismos reguladores devem cumprir com os acordos previstos para garantir acesso a informação adequada de divulgação de pesquisas e dos resultados sobre os reais impactos do rompimento da barragem sobre as comunidades tradicionais atingidas. E, com isso, que sejam traçadas estratégias de recuperação da vida, da natureza e da dignidade do povo que obtém da terra e da água o seu sustento.

Os valores insuficientes das compensações financeiras e indenizações, assim como o não reconhecimento para recebimento de auxílios financeiros demonstram a falta de participação popular nas mesas de negociações do processo de reparação e agravam a situação das pessoas atingidas que estão sem suporte adequado em saúde física e mental, sobretudo daquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade social.  

O empobrecimento, o adoecimento, a perda da sensação de pertencer ao território, o isolamento social de comunidades, as relações coletivas enfraquecidas e as perspectivas de futuro quase inexistentes são reflexos da negligência das empresas. O risco à saúde é um dos fatores que contribuem significativamente para extinguir os modos de vida e tradições das comunidades e viola gravemente inúmeros direitos previstos na Constituição Federal de 1988, como: direito ao meio ambiente, à cultura, à saúde, alimentação, ao lazer, à profissionalização, à dignidade. 

Assim, a retomada dos debates sobre a contaminação, com o apoio técnico dos órgãos competentes, nos convida a questionar a situação de saúde atual das pessoas atingidas e como são ofertados os serviços de saúde nas localidades, sobretudo nas comunidades mais afastadas da sede do município. O acesso à saúde é direito de todos e a Cáritas MG|ATI Mariana segue lutando para ampliar as informações e mobilizar as comunidades na busca por visibilidade das pautas nos espaços decisórios. 


Tag