A contaminação do solo, das águas e dos alimentos ainda é um mistério para muitas pessoas atingidas. Isso porque, as empresas responsáveis pela reparação não cumprem o acordo de transmitir informações com transparência, linguagem objetiva e acessível. Em novembro de 2023, foi publicada uma nota técnica (nº21\2023) do Ministério da Saúde junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e das Secretarias do Estado de Saúde de MG e ES, que avalia os dados recebidos de análises de contaminação de algumas espécies e alimentos nas regiões atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, entre 2018 e 2022. A divulgação da nota provoca o desafio de discutirmos a questão da contaminação mais de oito anos após o desastre-crime e demonstra o quanto os documentos técnicos são ferramentas importantes para oferecer suporte na defesa do direito à saúde de todos que convivem com os rejeitos.
Nos anos de 2017 a 2019 foi realizado o estudo “Diagnóstico Sócio Ambiental de Mariana”, produto contratado pela Cáritas MG|ATI Mariana. O estudo foi realizado pelo Laboratório de Educação Ambiental, Arquitetura, Urbanismo, Engenharias e Pesquisa para Sustentabilidade (LEA AUEPAS) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Em contrapartida, no ano de 2018 a Fundação Renova contratou a empresa AMBIOS Engenharia e Processos LTDA para executar estudo semelhante intitulado “Avaliação de Risco a Saúde Humana (ARSH) em localidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão”.
Os dois estudos avaliaram a contaminação de metais pesados nos solos, água, sedimentos, poeira domiciliar e alimentos (leite de vaca, frutas, legumes, e ovos de galinha). Nos solos, LEA-AUEPAS identificou arsênio (As), cromo (Cr) e Mercúrio (Hg), já a AMBIOS identificou valores significativos apenas para cádmio (Cd). Nas análises da água, LEA-AUEPAS e AMBIOS identificaram os mesmos elementos contaminantes. Nos sedimentos, a AMBIOS detectou cádmio (Cd) e níquel (Ni) e na poeira domiciliar os contaminantes encontrados foram cádmio (Cd), chumbo (Pb), cobre (Cu) e zinco (Zn), também identificados pela AMBIOS.
Sobre os contaminantes encontrados no leite de vaca, o chumbo (Pb) é o principal elemento, com valores 8 vezes maior que o permitido pela Anvisa. Os valores de arsênio (As) e mercúrio (Hg) estão dentro do que é permitido pela Anvisa, segundo dados da LEA-AUEPAS. Os dados analisados pela AMBIOS não apresentaram contaminantes detectados para leite de vaca. Já para os demais alimentados os estudos do LEA-AUEPAS apresentaram resultados generalizados, identificando os contaminantes arsênio (As) e mercúrio (Hg), mas sem valores de referência precisos, o que impossibilitou uma conclusão efetiva quanto aos valores da contaminação. A AMBIOS não relatou detecção de elementos contaminantes nos alimentos do território de Mariana.
A Nota Técnica nº21\2023 afirma que os resultados das análises de peixes da Bacia do Rio Doce, região costeira e adjacências do litoral do estado do Espírito Santo apresentam resultados significativos para a presença de metais pesados nos pescados da região.
O “Laudo Pericial da Segurança do Alimento - Produtos Agropecuários”, relatório nº59 da AECOM, traz informações completas e precisas sobre as análises de Segurança dos Alimentos nas áreas atingidas pelo rompimento da Barragem de Fundão. O risco de consumo foi verificado em vários alimentos. Portanto, é importante estarmos atentos ao fato de que, até o momento, não foram divulgadas explicações e respostas formais por parte da Fundação Renova, embora os relatórios emitidos apontem uma relação direta da contaminação com o rompimento. O nível de metais pesados presente nos peixes é superior aos limites máximos tolerados pela legislação sanitária brasileira.
Por isso, é preciso apontar a necessidade de cuidado com o solo e água contaminadas, oferecendo tratamento de qualidade para garantir que as populações atingidas tenham condições dignas de vida. A Fundação Renova, junto aos organismos reguladores devem cumprir com os acordos previstos para garantir acesso a informação adequada de divulgação de pesquisas e dos resultados sobre os reais impactos do rompimento da barragem sobre as comunidades tradicionais atingidas. E, com isso, que sejam traçadas estratégias de recuperação da vida, da natureza e da dignidade do povo que obtém da terra e da água o seu sustento.
Os valores insuficientes das compensações financeiras e indenizações, assim como o não reconhecimento para recebimento de auxílios financeiros demonstram a falta de participação popular nas mesas de negociações do processo de reparação e agravam a situação das pessoas atingidas que estão sem suporte adequado em saúde física e mental, sobretudo daquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade social.
O empobrecimento, o adoecimento, a perda da sensação de pertencer ao território, o isolamento social de comunidades, as relações coletivas enfraquecidas e as perspectivas de futuro quase inexistentes são reflexos da negligência das empresas. O risco à saúde é um dos fatores que contribuem significativamente para extinguir os modos de vida e tradições das comunidades e viola gravemente inúmeros direitos previstos na Constituição Federal de 1988, como: direito ao meio ambiente, à cultura, à saúde, alimentação, ao lazer, à profissionalização, à dignidade.
Assim, a retomada dos debates sobre a contaminação, com o apoio técnico dos órgãos competentes, nos convida a questionar a situação de saúde atual das pessoas atingidas e como são ofertados os serviços de saúde nas localidades, sobretudo nas comunidades mais afastadas da sede do município. O acesso à saúde é direito de todos e a Cáritas MG|ATI Mariana segue lutando para ampliar as informações e mobilizar as comunidades na busca por visibilidade das pautas nos espaços decisórios.