No dia 5 de novembro de 2020 completam cinco anos desde o DESASTRE/CRIME provocado pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP, com impactos socioeconômicos e ambientais sem precedentes no Brasil e no mundo. Apesar das propagandas milionárias transmitidas em horário nobre da televisão brasileira na tentativa de anular denúncias e investigações, a Fundação Renova – criada pelas mineradoras para a reparação dos danos – segue violando direitos diariamente. Assim, em contraposição à estratégia de comunicação das empresas, apontamos nesta carta fatos verdadeiros não mostrados pelas empresas e nossas reivindicações por um processo justo de REPARAÇÃO INTEGRAL.
1. RESTITUIÇÃO do direito à moradia digna, preservação dos modos de vida e acesso à infraestrutura e bens coletivos em condições preexistentes às localidades destruídas:
Nenhuma casa foi entregue nos reassentamentos, sequer os equipamentos públicos, infraestrutura ou movimentações de terra foram concluídas. Existia uma previsão de conclusão dos reassentamentos coletivos para março de 2019, tendo sido prorrogado para agosto de 2020 e depois novamente para fevereiro de 2021, contudo, até o momento ainda aguardamos cronograma de obras atualizado. A morosidade se agrava com as alterações arbitrárias nos projetos e obras das casas, entraves na compra de imóveis, recusa na possibilidade de execução de obras por autogestão, além da proposição de terrenos com áreas inferiores e características diferentes às situações de origem, que trazem problemas de acessibilidade, mobilidade, perda de espaço para produção agrícola e pecuária ou mesmo para construção. Outra violação de direito se deve à recusa no reconhecimento dos casos das construções iniciadas nos territórios no momento do rompimento, isto é, indício concreto de início de obra. A restituição da água em quantidade e qualidade vem sendo igualmente negada. Sobretudo nas comunidades da zona rural, a falta de manutenção de estradas e do controle de veículos e maquinário pesado resulta na poluição ambiental, sonora e danos a edificações preexistentes. Nestas localidades as famílias aguardam pelo restabelecimento do sinal de telefonia, internet, energia elétrica, transporte público e, sendo assim, a situação de isolamento decorrente da pandemia se agrava. A Fundação Renova alega que os atrasos na restituição das moradias se devem à pandemia, mas essa alegação é desonesta e deve ser questionada pelos veículos de imprensa, inclusive, tendo em vista que a mineração e a construção civil foram definidas como “atividades essenciais” e não foram paralisadas no nosso país.
2. COMPENSAÇÃO econômica, ou por outros meios, quando impossível a restituição do direito lesado:
Apesar das propagandas da Fundação Renova forjarem ações de compensação e altos investimentos na reparação, nossas vidas continuam em suspenso. As empresas se preocupam em entregar obras para a Prefeitura de Mariana, mas não garantem a manutenção adequada dos territórios atingidos. Diretrizes homologadas judicialmente estabelecem a não-permuta, isto é, a garantia das nossas propriedades nos territórios de origem, além do direito a compensações a serem definidas pelas próprias comunidades, quando não é possível tecnicamente a restituição da moradia e retomada dos modos de vida. Assim, não sendo possível manter as características iguais ou superiores dos imóveis, deverá ocorrer compensação em tamanho de área, em melhorias nas edificações, benfeitorias ou em pecúnia, à escolha da família; e, quando não for possível manter as relações originais de vizinhança, a comunidade deverá ser compensada através de áreas de uso coletivo. No entanto, até hoje nenhuma compensação foi apresentada às comunidades. As famílias atingidas apresentaram propostas de compensação e conversão entre terrenos rurais e urbanos que, por sua vez, foram negadas pelas empresas e aguardam decisão judicial, mais uma vez postergada.
3. REABILITAÇÃO médica, psíquica, econômica e social dos sujeitos individuais e coletivos lesados:
A espera por uma justa reparação dos danos, as muitas reuniões sem resultados, as alterações nos modos de vida, o desemprego e o não reconhecimento enquanto atingidos e sujeitos de direitos, estão entre as principais causas para o agravamento da saúde da população atingida de Mariana, que sofre cinco vezes mais com depressão em comparação à média da população brasileira. Os casos de adoecimento mental prevalecem entre as mulheres e mais de 80% das crianças e adolescentes apresentam estresse pós-traumático. Entre aqueles que sofreram deslocamento compulsório do meio rural para o urbano, é evidente um quadro de aumento dos casos de violência doméstica, do uso abusivo de álcool e outras drogas, casos de gravidez na adolescência e, inclusive, maior exposição à doenças como a COVID-19; enquanto que aqueles que permaneceram nas localidades de origem sofrem com os riscos de contaminação pelos rejeitos de minério. Esses e outros fatores reforçam o quanto a população atingida ficou mais vulnerável.
4. INDENIZAÇÃO justa pelas perdas e danos materiais e imateriais:
Mais de 90% da população atingida de Mariana ainda não foi indenizada pelas perdas e danos sofridos. Os poucos que foram chamados para negociar, receberam propostas irrisórias de indenização pela Fundação Renova, que pressiona pela assinatura de acordos e se acha no direito de calcular quanto custa o sofrimento, as perdas e danos materiais e imateriais dos atingidos. Em contraposição às assimetrias do processo indenizatório, nós, população atingida de Mariana e Assessoria Técnica, a partir da contratação de especialistas, elaboramos uma Matriz de Danos que considera os dados do processo do cadastro como atingidos. Somente a nossa Matriz de Danos, construída coletivamente, poderá garantir uma indenização justa.
5. NÃO REPETIÇÃO de desastres/crimes de mesma natureza:
O descomissionamento/esvaziamento das barragens e demais estruturas de mineração situadas a montante – conforme instituído pelo marco regulatório da Política Nacional de Segurança de Barragens – nunca foi iniciado, colocando em risco as famílias que permanecem nas comunidades de origem. Precisamos lembrar, ainda, que a partir do Decreto NE n. 500, de 21/09/2016, o Governo do Estado autorizou a construção do chamado “dique S4” pela empresa Samarco, alagando grande parte dos vestígios da destruição em Bento Rodrigues, ignorou (e ainda ignora) as opiniões das famílias atingidas proprietárias dos terrenos. O prazo para descomissionamento/esvaziamento era setembro de 2019 e até o momento nenhuma ação foi empreendida pela Samarco, Vale, BHP, Fundação Renova ou pelo Estado.
6. SATISFAÇÃO a partir de medidas para preservação e/ou restauração da honra, cultura e memória das pessoas atingidas, incluindo pedido público de desculpas:
Há 5 anos esperamos por um pedido público de desculpas, além do compromisso das empresas responsáveis pela garantia dos nossos direitos. Até hoje, nenhuma pessoa ou empresa foi punida pelo desastre-crime. Gostaríamos de prestar nossa homenagem àqueles que se foram no dia cinco de novembro de 2015, vítimas de um modelo de mineração predatório que coloca o lucro acima das vidas humanas e do meio ambiente. E aos entes queridos que faleceram durante esse árduo processo de luta pela reparação integral. Nossas vidas se transformaram e, desde então, esse sofrimento parece não mais acabar. As empresas têm ditado os rumos de nossas vidas, controlando nosso tempo e impedindo a retomada dos nossos modos e projetos de vida. Não há propagandas da Fundação Renova que mostrem a verdade: esses cinco anos foram perdidos, um tempo que não será recuperado, como se estivéssemos cumprindo a pena por um crime que não cometemos. São cinco anos de espera e MUITA luta da população atingida!
Acesse AQUI o documento em pdf e compartilhe as denúncias das pessoas atingidas de Mariana.