COLABORE

Em honra a quem ainda lutamos?

Áreas de Atuação

Há sete anos, o desastre criminoso das mineradoras Samarco, Vale e BHP mudou para sempre a vida de milhares de pessoas

Publicação: 05/11/2022


Nós, da Cáritas MG, Assessoria Técnica Independente das comunidades atingidas de Mariana, nos solidarizamos e estamos ao lado das famílias atingidas na busca por garantias de seus direitos. Nesses anos em que estamos juntos, presenciamos momentos e ouvimos relatos de luta, esperança, dor e, infelizmente, luto. Mais de 100 pessoas se foram, sem ver efetivado o processo de reparação. A perda de pessoas queridas, nesse contexto de conflito socioambiental, é sentida profundamente pelos familiares e amigos, mas também por toda a comunidade. A dor, muitas vezes é vivida junto à indignação, à revolta. A ira se converte em luta, por dignidade, por moradia, pela retomada dos modos de vida, por justiça, em honra aos que se foram. 

Carla Gomes Barbosa, atingida de Paracatu de Baixo, nos conta sobre a perda de sua avó, Dona Laura:

Todo mundo sabe que minha avó era uma pessoa muito alegre, conversava com todo mundo, ria, brincava, ajudava meu pai no bar lá em Paracatu. Quando a gente saiu de lá e foi para Sumidouro, ela perdeu o gosto. Cê via no olhar dela a tristeza, ela não tinha mais aquela alegria, vontade de sair e conversar, até pra missa, que ela gostava muito, ela parou de ir. Aí juntou a tristeza com os problemas de saúde que ela já tinha e, infelizmente, em 2018 ela faleceu. Eu acredito que a morte dela tenha relação com o rompimento da barragem sim, pela tristeza que ficou nela. O sonho dela sempre foi voltar para Paracatu, ela só falava disso, que ela queria a casa dela lá, mas infelizmente não aconteceu.” Carla Gomes Barbosa, atingida de Paracatu de Baixo.

Janiele Arantes Pereira, atingida de Ponte do Gama, perdeu o pai, a avó e a mãe, ela também acredita que o desastre criminoso tem relação com a morte de seus familiares: 

 “Minha avó, dona Tita, apesar de ter 93 anos era uma pessoa ativa, tirava leite, plantava colhia, era lúcida, conversava, era uma pessoa extrovertida, mas quando aconteceu o desastre ela foi obrigada a sair de onde ela foi criada e onde criou seus filhos. Aqui em Mariana, o cenário é totalmente diferente, ela não saía de casa. Ela esperou por anos uma solução por parte da Renova. Então, em 2020 ela caiu, quebrou o fêmur, ficou acamada e, em pouco tempo, ela ficou muito debilitada e veio a falecer. A gente fica indignada porque o último pedido dela era voltar pra casa dela, morando na roça, mas isso não foi realizado”. Janiele Arantes Pereira, atingida de Ponte do Gama.

Meu pai, Edson, foi atingido em Bicas, subdistrito de Camargos. Ele ficou muito triste, quando veio a barragem, em 2015, e devastou completamente o terreno dele. Com o rompimento ele foi morar lá em Ponte do Gama, mas lá ele ficou sem rumo. Foi uma morte muito triste, ele foi assassinado no local onde ele passou a morar, no trajeto longo que ele passou a fazer para tratar dos animais. Naquela região acontecia muito roubo de animais, e sempre ficava impune. Até hoje, infelizmente, não sabemos quem cometeu esse crime bárbaro. A Samarco acabou com a vida do meu pai, tirou ele do convívio dele”. Janiele Arantes Pereira, atingida de Ponte do Gama.

Um caso vai puxando o outro, meu pai faleceu em maio, minha avó [materna] em novembro. Minha mãe, Maria Julieta, ficou muito debilitada pelas duas perdas e, com isso, a imunidade dela baixou. Ela também sofria com uma doença séria, que ela tratava em Mariana. Aí veio a pandemia, ela debilitada, com imunidade baixa, pegou covid-19 e, infelizmente, morreu. Uma coisa vai acarretando a outra, então o rompimento de Fundão influenciou sim na morte dos meus parentes, da minha família… ” Janiele Arantes Pereira, atingida de Ponte do Gama.

Ambas as atingidas deixam um recado para as mineradoras, que tanta dor têm causado: 

Eu diria para essas empresas pararem de pensar só em dinheiro e pensar nas pessoas. A gente fala que tem muitos casos de depressão e não somos levados a sério, mas tem muitas pessoas que sofrem mesmo com isso. Eu diria para as empresas, que não estão nem aí, que não se importam com a gente, para terem mais empatia com as pessoas.” Carla Gomes Barbosa, atingida de Paracatu de Baixo.

Eu falo assim, para as empresas serem mais humanas, terem um pouco de dignidade. Ninguém pediu nada, a gente tá procurando o que é direito nosso. A demora que pra vocês [mineradoras] não faz diferença, pra gente faz sim, porque é muito desgastante, nada resolve! Tem que ser mais rápida, a reparação integral e verdadeira tem que acontecer”. Janiele Arantes Pereira, atingida de Ponte do Gama.

Carla, Janiele e tantas outras pessoas atingidas resistem. Elas têm o poder de transformar o luto em verbo e, mesmo com dor, seguir lutando. 

Aos que se foram, já passaram sete anos, parece que só agora as obras do reassentamento tão andando, mesmo que vocês não tenham tido o prazer de ver a casa de vocês reerguida, eu acredito que de onde vocês estiverem vão ficar felizes ao nosso lado, no dia da entrega das casas vocês vão estar lá conosco, com seus filhos e netos”. Carla Gomes Barbosa, atingida de Paracatu de Baixo.

Elas também transformam a palavra esperança, no verbo esperançar.

Eu digo aos que se foram, que se Deus quiser, seus familiares vão receber a reparação, que elas descansem porque Deus vai fazer justiça. Peço a Deus para abençoar os que ficaram, como minhas tias e irmãos que sofrem muito. Que a gente que está aqui corra atrás, porque é uma luta que foi iniciada e não é uma luta que pode ser interrompida. A gente não vai esquecer, vamos correr atrás sim, porque eles foram o início dessa luta e a gente não vai esquecer, vamos dar continuidade nessa luta e vai ser feita justiça sim, demore o que demorar”. Janiele Arantes Pereira, atingida de Ponte do Gama.

Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo”. (FREIRE, Paulo - Pedagogia da Esperança: reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992).


Em honra a todas as pessoas que não viram a reparação integral ser efetivada, nossa luta é por vocês!

Por Carla Gomes Barbosa e Janiele Arantes Pereira, com apoio de Ellen Barros
Imagem destaque: Dona Cota, recebe de Laís Jabace uma muda em homenagem ao seu falecido esposo, Dario Jorge Pereira.
Foto de Ellen Barros 

Esta é uma versão estendida do texto de mesmo nome publicado em 05 de novembro de 2022, no Jornal A Sirene.


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