COLABORE

Lideranças religiosas e comunitárias visitaram Bento Rodrigues durante encontro com CABF

Áreas de Atuação

Pessoas atingidas manifestaram repúdio aos investimentos nas empresas mineradoras e falaram sobre as consequências no estado

Publicação: 24/04/2023


No dia 13 de abril, representantes de diversos grupos atuantes na luta pela reparação se reuniram em Mariana com membros da Comissão de Atingidos da Barragem do Fundão (CABF). O objetivo do encontro foi percorrer áreas do território devastado pela lama e atualizar a discussão acerca do processo de reparação integral. A pedido das pessoas atingidas, a Assessoria Técnica aos Atingidos e Atingidas pela Barragem de Fundão da Cáritas acompanhou a atividade dividida em dois momentos distintos e complementares. No período da manhã, uma reunião realizada no escritório da CABF foi espaço de debates importantes acerca do atingimento dos modos de vida das comunidades. Durante a tarde, foi realizada uma visita ao território de origem de Bento Rodrigues, subdistrito localizado no epicentro do desastre-crime de Fundão. 

Além dos representantes das pessoas atingidas pela barragem de Fundão e da equipe técnica da Cáritas, a programação contou com a participação do Bispo David Urquhart, que faz parte da Igreja da Inglaterra e da entidade global Mining and Faith Reflections Initiative (MFRI); da Bispa Marinez Bassotto, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil na Diocese da Amazônia e participante do Conselho das Igrejas Cristãs do Brasil (Conic); de Angélica Andrade, familiar de vítima fatal no desastre-crime de Brumadinho e associada à AVABRUM; assim como de Cida Couto e Ana Souza, atingidas pela mineração em Barão de Cocais (MG).

Na ocasião, as representantes da comunidade de Socorro, em Barão de Cocais, relataram o processo de desterritorialização forçada e descreveram os danos sentidos por elas e demais pessoas da região. Compartilharam a angústia de precisar deixar para trás seus pertences e suas formas de viver, sem saber ao certo se e quando poderão retornar, em função da ameaça do rompimento da barragem de Gongo Soco, da Vale. Falaram também sobre o contexto da mineração que se agrava nas cidades próximas. Não é uma peculiaridade de Minas Gerais, mas o rompimento da Barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, comprova a advertência que a Barragem de Fundão havia dado: a mineração da forma como acontece no estado exige atenção, assim como as pessoas que nele vivem.


Representantes de comunidades atingidas pela mineração, da Igreja Anglicana e da Assessoria Técnica da Cáritas se reuniram no escritório da CABF, em Mariana.

Fotos: Quel Satto / Cáritas ATI Mariana


Depois de ouvirem os depoimentos sobre Barão de Cocais, representantes da CABF falaram de questões específicas, mas também relacionadas à mineração, no território de Mariana. A falta de participação nas mesas de negociação ainda é um problema enfrentado pelas pessoas atingidas - e um dos efeitos da falta de protagonismo das comunidades no processo é o comprometimento da retomada dos modos de vida. Ângela Aparecida Lino e Luzia Queiroz apresentaram denúncias sobre a má condução do processo de reparação por parte da Fundação Renova em Mariana. No que tange os reassentamentos, as construções não condizem com os territórios de origem, a incerteza da restituição é motivo de angústia e piora da saúde mental, bem como o aumento dos conflitos interpessoais, no âmbito familiar e comunitário.

Para Marino D’Ângelo, atingido de Paracatu de Baixo, as consequências do rompimento da Barragem de Fundão se estendem até hoje de diversas formas, das perdas comunitárias às perdas materiais, que ainda não foram reparadas. "A gente teve todo um universo destruído", disse ele em seu relato. Na zona rural, produziam sua subsistência e viviam coletivamente. Agora, dependem de auxílios e indenizações. "Somos os verdadeiros condenados nesse processo porque perdemos nossa autonomia, nossa vida. E não era isso que a gente queria, porque a gente não era dependente da mineradora, agora nós somos".

O acompanhamento da Assessoria Técnica nesses espaços de encontro das pautas individuais e coletivas visa fortalecer a luta pelos direitos. De acordo com Anderson Ventura, coordenador operacional da Assessoria Técnica, a mineração precisa ser respeitosa com a história dos territórios. “As comunidades de origem foram construídas em volta das igrejas, da fé. E é a fé que mantém as pessoas na luta. Com a morte da fé e da esperança morre também a tradição e os modos de vida”.


“Até que ponto vale a pena investir nessas empresas? Esse dinheiro está sujo de lama. Até que ponto o retorno financeiro vale a pena? Até onde vale a pena receber milhões sabendo que do outro lado tem famílias destruídas, em cima de morte?

Até quando os investidores e as empresas vão continuar lucrando e ditando as regras? É muito fácil matar e colocar preço nas vidas, no que as pessoas perderam. Quantas mais situações como em Bento, Brumadinho, Barão de Cocais e Antônio Pereira vão ter que acontecer até parar com a mineração predatória?” 

Mônica Santos, atingida de Bento Rodrigues.


A Bispa Marinez Bassotto agradeceu aos representantes das comunidades atingidas pela oportunidade. Fazendo alusão ao período da Páscoa, disse que as pessoas atingidas que estiveram presentes na ocasião são "sinais da ressurreição, de busca pela vida em um cenário de morte".  Por sua vez, o Bispo David Urquhart pontuou que o fundo de pensão do qual faz parte retirou os investimentos na BHP e Samarco assim que aconteceu o segundo desastre-crime, em Brumadinho. Ele também manifestou interesse em manter o caminho aberto para o diálogo com as comunidades atingidas. Ressaltou o papel encorajador da Assessoria Técnica da Cáritas, que se coloca ao lado das pessoas atingidas durante o processo de reparação com prestação de serviços, de informação e acolhimento.

Ao ser questionado por integrantes da CABF sobre o processo na Inglaterra, o Bispo David Urquhart disse que não é possível prever como será, tendo em vista que envolve pessoas não-britânicas, mas que existem esforços para garantir os direitos das vítimas. Ele acredita que a justiça global deve intervir e espera que os interesses das comunidades atingidas sejam garantidos.




Legenda: Em Bento Rodrigues as lideranças comunitárias e religiosas puderam ver e conversar sobre as consequências do rompimento da Barragem do Fundão.

Fotos: Quel Satto / Cáritas ATI Mariana


Ao longo da visita no território de origem de Bento Rodrigues, outras pessoas atingidas puderam contar a história da comunidade e falar sobre o impacto do rompimento em suas vidas. Acompanhados pela Assessoria Técnica da Cáritas e pelos representantes da Igreja Anglicana, os atingidos e atingidas passaram pela Igreja das Mercês e pelas ruínas da Igreja de São Bento. Os visitantes andaram por Bento Rodrigues e viram de perto os danos que podem ser percebidos no território. Aquilo que o olhar não alcança mais, que foi levado pela lama de rejeitos, existe hoje como história narrada pelas pessoas atingidas.





Momentos da visita no território de origem de Bento Rodrigues, em que as pessoas atingidas contaram histórias da comunidade para o Bispo David e a Bispa Marinez.

Fotos: Quel Satto / Cáritas ATI Mariana




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