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Mônica dos Santos: 5 anos sem justiça

Áreas de Atuação

Conheça a história de luta da atingida pelo rompimento da barragem da Samarco, Vale e BHP, em novembro de 2015, em Mariana.

Publicação: 26/11/2020


Mônica dos Santos nasceu, cresceu e viveu, até às 6 horas da manhã do dia 5 de novembro de 2015, em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, Minas Gerais. Vivia com sua mãe, era vizinha de seu tio, plantava couve, almeirão, alface, chuchu, taioba, milho, limão, laranja, rosas e margaridas – vinha, ainda, uma galha de caqui que ultrapassava o muro da casa do tio. Era uma mulher feliz e sabia disso.

Como de costume, em 5 de novembro de 2015, saiu de casa cedo pra trabalhar em Mariana, levava de carona uma sobrinha que ia pra escola, a mãe e uma prima. Desse dia até hoje, Mônica guarda só suas chaves de casa e a vontade de ver a justiça pelos atingidos do rompimento da barragem de Fundão. Das 230 casas do distrito, restam algumas paredes em pé da casa dos avós de Mônica, onde ela vivia não tem mais nada.

A auxiliar odontológica hoje estuda  Direito, vive em uma casa alugada e, há cinco anos, doa a maior parte de sua vida para reconstruir as raízes de sua terra natal, que estão enterradas sobre lama tóxica.

Mônica, você nos disse que está estudando Direito, pode nos contar um pouco mais sobre essa trajetória? Como surgiu essa vontade?

Mônica: Na verdade não foi nem a vontade de estudar Direito. Foi uma necessidade mesmo. Porque desde o início desse processo, com o rompimento, que a gente tem que sentar nas mesas de negociações com a empresa e a juíza e, normalmente, são sete, oito advogados representando as empresas e três atingidos na mesa.

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A mesa de negociação são oito advogados contra três atingidos, o dr. Guilherme representando o Ministério Público e a juíza. Então assim, por mais que eu estude, me dedico. A gente sempre vai estar um degrau abaixo pelo fato deles serem mais poderosos financeiramente. Hoje em dia, quem tem dinheiro, quem tem poder é quem se dá bem no Direito, é quem se dá bem com a justiça, porque, infelizmente, eu to fazendo esse curso, no qual eu não acredito, porque são cinco anos que vai completar agora dia 5 e ninguém pagou pelo crime que cometeu, ninguém foi preso. O reassentamento não está pronto, o reassentamento de Bento tem uma casa, e eles tão prevendo até dezembro entregar mais quatro, quer dizer em cinco anos, cinco casas prontas. Quando que o reassentamento fica pronto? As indenizações não estão sendo justas.


Foram quantas casas atingidas em Bento?

Mônica: Aproximadamente 230, enquanto as indenizações, não está sendo uma indenização justa, porque quem tá dizendo as regras, quem tá valorando são as empresas que cometeram o crime. Então eu não vejo isso como justiça. Para mim a justiça não é isso. Por exemplo, eu mato e eu que vou falar qual pena que eu vou cumprir? O quê que eu tenho que pagar? Isso pra mim é não é justiça. O direito ele é muito bonito na teoria. Se as pessoas seguissem a essa teoria haveria justiça sim. Só que a prática, o dia a dia é totalmente diferente. Infelizmente quem tem voz é quem tem dinheiro, quem tem poder, e isso a gente está muito atrás em relação às empresas porque eles podem tudo, tanto podem tudo que em relação às indenizações eles que tão colocando os valores e a maioria das pessoas que já receberam essa indenização, com os valores que a empresa topou, receberam não porque ficaram satisfeitas em questão de valor, receberam pelo fato dessa morosidade, pelo medo de morrer e não receber, porque esse crime não aconteceu só no dia 5, ele vem acontecendo a cada dia, a cada hora e a cada minuto. São vários direitos que estão sendo violados, não morreram só 19 pessoas no dia 5. A verdade é que só em Bento, se não me engano, pós o dia 5, foram 21 ou 22 pessoas que morreram, e não são só pessoas idosas, são pessoas novas, o meu irmão ele morreu com 38 anos. A última morte que teve foi da Alessandra, de 41 anos, então assim, muitas pessoas estão aceitando o valor imposto pelas empresas com esse pensamento de a gente não sabe dia de amanhã. De morrer e não receber a indenização. De não ter uma perspectiva, uma esperança.

Se você pudesse deixar a mensagem para a Vale, para Renova e para BHP, o que você falaria?

Mônica: É difícil falar porque, desde o 5 de novembro de 2015, é uma coisa que eu sempre bato na tecla e, inclusive, quando fez 3 anos eu tive a oportunidade de estar em Londres para denunciar, estava sentada com representantes da BHP. E nesse período que eu e alguns dos atingidos estivemos lá, nós conversamos com representantes da BHP, conversamos com investidores, com várias pessoas em todas essas conversas, todas essas reuniões, eu fui uma das que falou que Bento, Fundão, não foi o primeiro e não seria o último, se eles, Vale, Samarco e BHP e os investidores não tomassem providências. E no ano seguinte, rompeu Brumadinho, rompeu o Córrego do Feijão, acabou com Brumadinho. Ou seja, eles não aprenderam com o erro do dia 5 de novembro. Nesses cinco anos eu vejo que eles continuam sem aprender. Nem sei se eles não aprenderam ou se eles não querem fazer o certo.


O que você gostaria de falar para o povo brasileiro, enquanto atingida, sobre isso que todas e todos os atingidos viveram e passam não só aqui em Mariana, mas em Bento, Antônio Pereira, Barão de Cocais? Sobre esse modelo de mineração, sobre a luta contra ele, que não é uma responsabilidade só de quem é atingido, mas toda a população.

Mônica: É muito simples, basta que quem não foi atingido diretamente se coloque no lugar do outro. Até quando a gente vai ser dependente dessa mineração que mata? Será que a gente precisa realmente dessa mineração que mata? Será que não tem nada que nós, que somos humanos, podemos fazer para mudar esse tipo de mineração? Até que ponto a gente precisa ser dependente da mineração? As pessoas estão acostumadas a trabalhar na mineração, a terem um salário alto, a ter um convênio bom. Mas essa mesma mineração que hoje faz isso, que te dá esses benefícios, ela vai tirar de você amanhã e pior, ela não vai te reconhecer como atingido, ela não vai te dar os seus direitos. A mesma mão que ela te dá, é a mesma que ela te tira. Até quando a gente precisa? Será que realmente a gente precisa dessa mineração? Porque a mineração que existe hoje é a que mata, é dessa que a gente precisa? Eu acho que basta cada um se colocar no lugar do outro. Sei que pra muitos é muito fácil falar do atingido, mas se colocar no lugar, querer trocar de vida com ele, nesses cinco anos eu não achei nenhuma pessoa que quisesse trocar de vida comigo. Então assim, pra quem está de fora falar é fácil, mas pra quem está dentro é complicado. Eu acho que falta mais sensibilidade, falta mais humanidade nas pessoas. Acho que é isso mesmo você se colocar no lugar do outro. Você se ver dentro do problema do outro, não ver só benefícios, porque a grande maioria das pessoas acham que o fato da gente estar na casa alugada, da gente estar recebendo um auxílio emergencial, acha que isso é muito. Acho que a gente está bem. Mas só Deus sabe o que é você ficar cinco anos numa casa alugada, você ficar cinco anos recebendo um auxílio, sem ter uma esperança, sem saber se esse futuro vai chegar, sem saber se você vai ser restituído, sem saber se você vai ter uma casa pra você falar que é sua. Acho que falta ter mais sensibilidade e se colocar no lugar do outro. Eu acho que está na mão de nós, enquanto população, mudar o modelo da mineração, porque a mineração que mata a gente não precisa dela.

 

Entrevista, fotos e vídeo realizados por Marcela Nicolas e Guilherme Gandolfi, em 30 de outubro de 2020, em Bento Rodrigues, Mariana/MG, pela Cáritas MG. Edição Ana Júlia Guedes.



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