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Retomada da repactuação sobre rompimento de Fundão preocupa atingidos e organizações sociais

Áreas de Atuação

Falta de transparência no processo de repactuação ainda gera insegurança em pessoas atingidas

Publicação: 07/12/2022


A comissão externa da Câmara dos Deputados sobre o rompimento da Barragem do Fundão realizou, na manhã de terça (06/12), uma audiência pública sobre o processo de repactuação do acordo judicial de reparação das perdas e danos provocados pelo rompimento da barragem das mineradoras Samarco, Vale e BHP. Os agentes da Cáritas MG, Rodrigo Pires Vieira (Mariana) e Wellington Azevedo (Governador Valadares), estiveram presentes e alertaram para o fato de que se o processo for retomado e o acordo assinado às pressas neste final de ano, a credibilidade das nove instituições públicas envolvidas será perdida diante das pessoas atingidas e da sociedade civil organizada.  “Chegaram aos nossos ouvidos que a repactuação foi retomada, então, se esse acordo sair agora, em 20 dias, toda aquela credibilidade que o Luiz Fernando Bandeira, as instituições de justiça e até a comissão externa da câmara, que tem lutado [em prol dos atingidos], conseguiram, cai por terra. Isso porque um acordo fechado às surdinas faltando poucos dias para acabar o atual governo federal, para nós, não tem credibilidade”, destaca Wellington Azevedo, que também representou o Fórum Permanente em Defesa da Bacia do Rio Doce, composto por 60 entidades que apoiam a luta pela reparação integral. 

O desastre criminoso completou 7 anos mês passado. Foram 19 pessoas mortas em 05 de novembro de 2015 e mais de 100 pessoas atingidas que morreram apenas no município de Mariana sem ver a reparação se efetivar. O rompimento de Fundão despejou 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério no meio ambiente, devastou a principal bacia hidrográfica do sudeste do país, o Rio Doce, causando diversos danos desde Bento Rodrigues até Regência, no litoral do Espírito Santo. 

Negociações estavam dadas por encerradas

Depois de 14 meses de negociações, os Governos de Minas Gerais e do Espírito Santo decidiram encerrar o processo de repactuação sem acordo. O Ministério Público Federal divulgou em setembro deste ano um comunicado oficializando o fim das negociações, isso porque os estados discordaram dos valores e prazos colocados pelas mineradoras, que seriam de apenas R$65 bilhões pagos ao longo de 16 anos. Ao encerrar o processo de repactuação, o poder público avaliou que a postura das mineradoras foi de descompromisso com práticas de responsabilidade social e ambiental. 

Durante a audiência pública, deputados lembraram as escutas que resultaram num relatório com orientações para que o acordo se dê respeitando as necessidades das regiões e pessoas atingidas. O relatório, com 84 recomendações, foi entregue às  autoridades como Supremo Tribunal Federal, Conselho Nacional de Justiça, Ministérios Públicos e Assembleias Legislativas de Minas e do Espírito Santo, ainda durante as negociações. No entanto, segundo o deputado Rogério Correia, o relatório ainda segue sem devolutiva no processo de repactuação. O relator, deputado Elder Salomão, falou sobre a importância de que todo o recurso proveniente da repactuação do acordo seja destinado para a reparação das áreas atingidas e destaca: “A essa altura do campeonato, nós estamos no apagar das luzes de um governo federal, é muito complicado encerrar um processo tão complexo como este, nesse momento”. 

De acordo com a Coluna de Guilherme Amado, no Jornal Metrópole, a Advocacia Geral da União do governo Bolsonaro deu início, no dia 30 de novembro, à uma empreitada para concluir às pressas a repactuação do acordo com Vale, Samarco e BHP. Segundo o colunista, o acordo vem sendo desenhado de forma positiva para as empresas, que pagariam um valor inferior ao que poderiam pagar “se os processos judiciais transcorressem normalmente ou se o acordo fosse liderado por um Ministério de Meio Ambiente atuante”.

Durante a audiência pública, o coordenador nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Joceli Andrioli, disse que o valor do acordo para reparação na bacia do Rio Doce e litoral capixaba deveria ser de, no mínimo, R$ 200 bilhões. “Essa é a primeira tarefa da AGU que vai assumir nesse novo governo, se pegar a base técnica do que foi o acordo de Brumadinho já passa de R$200 bilhões, o que a Vale já acordou em Brumadinho, se traduzir para o Rio Doce na mesma situação de proporcionalidade, passa de R$200 bilhões. Qualquer acordo que seja menor que isso é falácia”. 

A importância da efetiva participação das pessoas atingidas nesse novo acordo foi destacada por Rodrigo Pires Vieira, coordenador do projeto de Assessoria Técnica Independente da Cáritas MG em Mariana. “Uma fala do Papa Francisco diz que ‘ouvir é diferente de escutar’ e é diferente de participar também. Um acordo desse, por mais que tenha o Ministério Público representando os atingidos, não justifica só escutar, é importante que na hora de bater o martelo os atingidos decidam, sejam ouvidos”. Ele relembra ainda o fracasso do acordo firmado em 2016, feito sem a participação das pessoas atingidas e determinando a criação da Fundação Renova, que passou a atuar como representante das mineradoras no processo de reparação. “É importante dizer que o primeiro acordo que teve no Rio Doce, que foi sem participação nenhuma, traz a Renova muito forte nesse crime. Então, a reparação negociada com as empresas determinando o que pagar, deixar os criminosos determinarem, tem sido realmente um fracasso em toda a bacia do Rio Doce”. 

O procurador da República em Minas Gerais, Carlos Bruno Ferreira, esteve na audiência representando o Ministério Público Federal. Ele, que também é coordenador da Força-Tarefa do Rio Doce e de Brumadinho, adiantou algumas propostas previstas no novo acordo destacando a renovação de um projeto de indenização, a criação de um programa de recuperação econômica e de quatro fundos geridos pelo poder público: para saneamento básico; mitigação de enchentes; saúde e; fomento econômico. 

Não repetição

Na audiência, mulheres atingidas membros da Associação dos familiares de vítimas e atingidos do rompimento da barragem Mina Córrego Feijão (Avabrum) enfatizaram que a ausência de justiça no crime de Mariana, em 2015, potencializou o crime em Brumadinho, em 2019. Elas cobraram que a Vale seja responsabilizada criminalmente pela morte de 272 “joias”, como chamam as vítimas fatais do rompimento da barragem. De posse da fala, Rodrigo Pires Vieira cumprimentou as atingidas de Brumadinho presentes e reforçou a pauta delas: “Estamos aqui numa luta justa, com a Avabrum cobrando um processo criminal, o que em Mariana não andou. Nesse processo de reparação, a questão da não repetição é muito importante, porque se fosse criminalizado, isso seria uma salvaguarda para tentar impedir novas repetições, porque não sendo criminalizadas as empresas vão fazer mais”.

Além dos representantes da Cáritas MG, da Avabrum e do MAB, também participaram da audiência pública deputados federais e estaduais, prefeitos e representantes do MPF, do Executivo, do Conselho Nacional de Justiça, de ministérios públicos estaduais e do governo de transição.


Acesse aqui a gravação da audiência pública

Por Ellen Barros, comunicadora popular da Cáritas na ATI em Mariana

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