No último final de semana em Bento Rodrigues, foi possível observar, além das ruínas, a continuidade da manifestação cultural e religiosa no território de origem. Mais do que celebrar o padroeiro da comunidade, a presença dos moradores revelou o fato de que muitas das pessoas atingidas não querem abrir mão da história do local onde nasceram. As festividades, pelos motivos diversos de encontro, têm sido os principais momentos de união e fortalecimento dos laços entre aqueles que foram deslocados compulsoriamente.
De uma casa na rua mais alta, que apesar dos saques foi reconstituída com recursos próprios das pessoas atingidas, saiu a procissão guiada por Padre Marcelo Moreira Santiago. Junto a ela, dezenas de devotos segurando velas em oração, seguiram em direção às ruínas da Capela de São Bento. Durante o trajeto, Seu Filomeno da Silva, de 90 anos, que dedicou grande parte de sua vida ao trabalho voluntário de zelador do templo religioso, teve dificuldade de acompanhar o ritmo dos passos dos demais, devido ao avanço da idade e limitações impostas pelo tempo. Ao perceberem que um dos integrantes de Bento Rodrigues estava ficando para trás, pessoas da comunidade pediram ao pároco que, em espera, diminuísse a velocidade da caminhada. No entanto, foi sugerido pelo Padre um gesto de ação, o qual propôs para todos o movimento de retorno até Seu Filomeno.
Com isso, a procissão inverteu a direção, projetando o encontro da imagem de São Bento com o morador. Os olhos marejados de muitas pessoas sinalizaram o fortalecimento do vínculo comunitário e denunciaram a morosidade do processo de reparação. Onde, de um lado, há falta de ações de preservação, por parte da Fundação Renova, e manutenção do território do espaço devastado pela lama. De outro, as pessoas estão envelhecendo sem terem a restituição dos modos de vida e, ainda assim, seguem em defesa do Patrimônio, mesmo que em condições precárias.
Neste ano, a festividade de São Bento foi realizada sem cortejo com a banda de música, mas foi composta, além da procissão, por missa, bater dos sinos, fogos de artifício, jantar e leilão. Durante a celebração eucarística, todos lembraram os ensinamentos de fé que o padroeiro legou e pediram proteção de todos os males. O momento religioso terminou com o hasteamento da bandeira que, em todos os anos, fica virada para as ruínas da antiga praça. Pela primeira vez, devido ao deslocamento de uma das roldanas, a imagem ficou apontada para o lado oposto. Ainda que os responsáveis pelo levantamento tenham tentado ajustar a posição da bandeira, não conseguiram tirar o olhar de São Bento para o local em que, de acordo com o Projeto Longo Prazo da Samarco, será instalado uma correia transportadora, em funcionamento ininterrupto, e pilhas de estéril.
Fotos: Maria Luísa Sousa/ Cáritas MG|ATI Mariana