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Em Brasília, lideranças do Norte de MG compartilham experiências de defesa do rio Mosquito

Áreas de Atuação

Lideranças de Porteirinha, Nova Porteirinha e Serranópolis participaram de audiência pública em prol da PEC pelos Direitos da Natureza.

Publicação: 20/06/2024


Durante audiência pública a favor da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) pelos Direitos da Natureza, lideranças de Porteirinha, Nova Porteirinha e Serranópolis de Minas, cidades ao Norte de Minas Gerais, compartilharam suas vivências de mobilização popular em defesa do rio Mosquito. Recentemente, o rio teve seus direitos reconhecidos em leis municipais sancionadas nas três cidades, após intensa organização popular que pautou o tema nas casas legislativas dos municípios – as leis são as únicas do estado que reconhecem um rio como sujeito de direitos.

Mobilizada pela Articulação Nacional pelos Direitos da Natureza, composta por diversas organizações da sociedade civil, povos indígenas e comunidades tradicionais, a audiência pública aconteceu no dia 4 de junho, às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente, com o objetivo de pautar de maneira ampla no cenário legislativo a importância de atribuir à natureza direitos plenos, intrínsecos e perpétuos. 

Convocada pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL) e realizada pela Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, a sessão pública também teve como objetivo arrecadar apoio político para dar prosseguimento à tramitação da PEC pelos Direitos da Natureza: “A natureza também é sujeito de direitos, é o principal símbolo da nossa existência. Não vai existir planeta se não existir qualquer possibilidade de vida, de termos as águas, as terras, as montanhas gerais como sujeitos de direitos. Estamos fazendo a audiência mais importante do ano, no momento em que se discute crise climática, em um momento em que nos preparamos para a COP 30. A Comissão da Amazônia entende que cada um de nós somos uma árvore e, juntos, temos a força de uma floresta”, afirmou a deputada. Para ser protocolada, a PEC precisa de 170 assinaturas.

O Norte de Minas no Congresso Nacional

No dia 4 de junho, uma comitiva formada por sete representantes de comunidades, sindicatos locais e da Rede Cáritas chegou à capital federal para participar da audiência pública na Câmara dos Deputados. A iniciativa faz parte de um trabalho da Cáritas Nacional e do Regional Minas Gerais junto aos moradores de Porteirinha, iniciado em 2023. 

Na ocasião, a Rede Cáritas, por meio da área de atuação Meio Ambiente Gestão de Riscos e Emergências (Magre), prestava suporte aos moradores que vinham convivendo com as consequências das chuvas históricas que atingiram o norte do estado. A organização culminou na construção de um plano de incidência política, tendo a defesa do Mosquito como um dos principais pontos. Foi este histórico que Aldinei Leão, assessor jurídico do Centro de Direitos Humanos do Norte de Minas (CRDH-Norte), compartilhou na audiência pública: “Temos um histórico de luta por construção de direitos. Em 2021, com as chuvas que assolaram a Bahia e o Norte de Minas, a Cáritas mobilizou-se para contribuir por meio da Campanha SOS Bahia e Minas Gerais, que se desdobrou em três momentos: ajuda emergencial; reconstrução; e incidência política. Neste último, durante a realização de uma oficina para construção de um plano comunitário, a comunidade informou o desejo de cuidar da saúde do rio. A partir daí, começamos a construção de mobilização popular, até colhermos os frutos da aprovação e da sanção de três importantes legislações que reconhecem o rio Mosquito como sujeito de direitos e criam o Comitê de Guardiões responsáveis pelo Mosquito.” As leis reconhecem o rio como um ser vivo com direitos, que deve ter garantida a sua existência e a de todos os outros seres, humanos e não humanos, que vivem e estão presentes em suas águas. 

A chegada das lideranças em Brasília, em junho deste ano, teve como intuito compartilhar a trajetória de mobilização e os feitos pioneiros nas cidades, fruto de intensa organização popular. Porcina Amônica de Barros, da Associação Casa de Ervas Barranco de Esperança e Vida (Acebev); Helen Borborema, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Porteirinha; e Ana Lúcia Mendes, ribeirinha e integrante do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) foram os nomes indicados pelos movimentos para representar a luta dos municípios pela recuperação e preservação rio Mosquito. Aldinei Leão, assessor jurídico do CRDH Norte, executado pela Cáritas Montes Claros, também esteve na audiência e compartilhou a trajetória de atuação da Rede Cáritas junto às comunidades.



Lideranças de defesa do rio Mosquito na audiência pública no Congresso Nacional. Da esquerda para a direita: Ana Lúcia Mendes, Porcina Amônica de Barros e Helen Borborema. Foto: Cáritas Nacional. 


Por se tratar de uma região com forte presença da agricultura familiar, o rio Mosquito tem um papel fundamental na garantia da sociobiodiversidade. Porteirinha, Nova Porteirinha e Serranópolis têm suas economias e geração de renda baseadas, principalmente, na agricultura, no cultivo de hortaliças e na criação de animais. Ao mesmo tempo, o rio é importante para promoção da segurança alimentar e nutricional, turismo de base comunitária e, principalmente, para conservação da sociobiodiversidade da região.

Ana Lucia Mendes, ribeirinha e integrante do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS), expressou a importância do rio para todas as formas de vida em Porteirinha: “Venho de um lugar em que as pessoas vivem às margens do rio Mosquito. É uma população que nasceu, cresceu, criou seus filhos e netos, que ainda estão por lá, vivendo do rio. O rio nos dá uma força muito grande: é sustento, mata a nossa sede, nos dá o alimento do dia a dia, nos dá a cura por meio dos remédios medicinais. A nossa luta é pela recuperação da saúde dele, preservá-lo para que a vida sempre exista”. 

A audiência pública, realizada durante a Virada Parlamentar Sustentável, foi um espaço para debater a importância da proteção ambiental e dos Direitos da Natureza, especialmente em um contexto de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e diante da emergência climática que o planeta enfrenta. 



Comitiva do Norte de Minas e representantes da Rede Cáritas. Foto: Cáritas Nacional.


Direitos da Natureza: novo modelo para a relação entre seres humanos e o meio ambiente

Emergindo como um novo paradigma ético-jurídico, os Direitos da Natureza redefinem a relação entre a humanidade e o meio ambiente. Inspirado na sabedoria ancestral dos povos originários, que reconhece a interdependência entre todos os seres, essa abordagem propõe um marco fundamental na forma como nos relacionamos com o planeta.

Em contraste com a visão tradicional que trata a natureza como um objeto à disposição humana, os Direitos da Natureza a reconhecem como sujeito de direitos, dotada de valor intrínseco e merecedora de proteção. Essa mudança de perspectiva abre caminho para uma relação mais harmônica e sustentável com o meio ambiente, essencial para o bem-estar da humanidade e das futuras gerações.

O Equador, em 2008, foi pioneiro ao incluir essa visão em sua Constituição, seguido pela Bolívia em 2010. No Brasil, essa iniciativa ganhou força a partir de 2017, inspirada nas cosmovisões indígenas e no conceito do Bem Viver, que propõe uma vida em harmonia com a natureza.

As cidades de Bonito (PE), em 2017, e Florianópolis (SC), em 2019, foram os primeiros a reconhecer os Direitos da Natureza em suas leis. Atualmente, oito municípios brasileiros já adotam essa abordagem, e outros estão em processo de fazê-lo. No âmbito dos recursos hídricos, dois rios brasileiros também tiveram seus direitos reconhecidos: o Rio Laje (Rondônia), conhecido como Rio Komin Memem, e o Rio Mosquito (Minas Gerais).

O movimento em prol dos Direitos da Natureza não se limita ao âmbito municipal. Três estados brasileiros (Minas Gerais, Pará e Santa Catarina) possuem propostas de emendas constitucionais para incluir essa visão em suas leis fundamentais. Além disso, a Bahia propõe a alteração de sua Política Estadual de Meio Ambiente para incorporar os princípios dos Direitos da Natureza.



Por Luísa Campos, da Cáritas Regional Minas Gerais


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