COLABORE

Os 7 anos do maior crime socioambiental do país

Áreas de Atuação

Momentos culturais, rodas de conversas, celebrações religiosas e atos no centro de Mariana marcaram as atividades dos sete anos

Publicação: 22/11/2022


Há sete anos, acontecia o maior crime socioambiental do país: o rompimento da barragem de Fundão, das mineradoras Vale, Samarco e BHP, em Mariana. Estima-se que cerca de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério foram despejados ao longo da bacia do Rio Doce. Os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo foram atingidos, devastando vidas, rios e mares. 19 pessoas morreram imediatamente e milhares de famílias ficaram desabrigadas e lutam até hoje pela reparação integral e justa pelas suas perdas e danos. 

Com o mote “Enquanto há vida, há luta!”, a Comissão de Atingidas e Atingidos pela barragem de Fundão (CABF) deixa claro a força que as pessoas atingidas têm em lutar pelos seus direitos, nestes sete anos de crime-desastre, além da resistência em continuar reivindicando pela entrega de suas moradias dignas, pagamento de suas indenizações e restituição de seus modos de vida — os quais a Fundação Renova ainda não apresentou um planejamento de como será a retomada das atividades econômicas e produtivas considerando a realidade dessas famílias. Entre os dias 3 e 6 de novembro de 2022, as pessoas atingidas participaram de várias atividades que mostraram essa força e resistência.

Mostra de Cinema "Direitos Humanos e Mineração: Enquanto há vida, há luta!"

Estudantes da Escola Estadual Dom Pedro II reunidos na mostra de cinema, em Ouro Preto. Fotos: Wigde Arcangelo e Wan Campos/Cáritas MG

Na quinta-feira (03), primeiro dia da programação das atividades dos sete anos, o Cine Vila Rica, em Ouro Preto, foi palco da abertura da Mostra de Cinema "Direitos Humanos e Mineração: Enquanto há vida, há luta!". Rodrigo Pires, coordenador da Assessoria Técnica Independente de Mariana, destaca a importância da cultura discutir as violações de direitos provocadas pela mineração. "É no contexto da luta pelos direitos das pessoas atingidas, que trazemos a mostra cultural. Queremos trazer à consciência das pessoas essa luta por direitos por meio do cinema", declara. Veja aqui, os filmes exibidos e suas sinopses.

Crianças atingidas reunidas para o momento teatral da Mostra de Cinema. Fotos: Wigde Arcangelo e Wan Campos/Cáritas MG

Na manhã de sexta-feira (04), as crianças das escolas de Paracatu de Baixo e de Águas Claras (zona rural) participaram da Mostra de Cinema "Direitos Humanos e Mineração: Enquanto há vida, há luta!", no Centro de Convenções em Mariana. Durante a abertura da Mostra, a coordenadora operacional da ATI da Cáritas MG, Geruza Silva, disse às mais de 80 crianças presentes no evento, o motivo de organizarem uma sessão especial para elas, “Estamos aqui hoje para que todos vocês possam entender o que é direito e que, assim, vocês possam exigir os seus direitos tanto agora quanto no futuro”.

Após a exibição dos filmes, as crianças puderam participar de um momento teatral. O contador de histórias João Bosco apresentou o livro “Sagatrissuinorana”, vencedor do prêmio Jabuti em 2021, uma homenagem ao escritor João Guimarães Rosa que reconta a fábula dos Três Porquinhos, mas tendo como pano de fundo o rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho.

Roda de conversa entre pessoas atingidas sobre suas artes e ofícios. Foto: Wigde Arcangelo/Cáritas MG

A Mostra de Cinema continuou durante a tarde e noite do dia 04.  Porém, no período da tarde também foi  realizada a roda de conversa “Artes e Ofícios”, inspirada na exibição do documentário “Ofício do Carpinteiro” (2022), de Paula Zanardi (Cáritas MG), que conta a história do trabalho tradicional de Dario Jorge Pereira, herança de família. Para Anderson Ventura, coordenador operacional da Assessoria Técnica Independente, "é muito importante reconhecer os saberes das pessoas que viveram nos territórios atingidos. Hoje é dia de celebrar esses conhecimentos". A troca de experiências contou com a presença do ourives Abílio Felipe Ferreira, de Camargos, da produtora de eventos, artesã e cantora, Luzia Queiroz, de Paracatu de Baixo, da poetisa Marlene Pereira e de sua filha, Débora Letícia, cantora-mirim, ambas também de Paracatu de Baixo. Um encontro de diferentes gerações de talentos, pessoas atingidas que através da arte resistem nesse cenário de conflito socioambiental instaurado pelo rompimento da barragem de Fundão. "Desde muito jovem muitas pessoas boas me deram a chance para eu estar aqui, e agarrei a oportunidade com força”, contou com alegria, o atingido de Camargos, Abílio Ferreira, ao relembrar de como começou a sua carreira de ourives, na roda de conversa.

Cerca de 150 pessoas compareceram à Mostra durante o dia 4. Foto: Wan Campos/Cáritas MG

Intercâmbio: Ação de integração das comunidades atingidas com distribuição de mudas, na praça da EFA em Acaiaca/MG

Dezenas de atingidos reunidos na Escola Familiar Agrícola para o intercâmbio. Fotos: Laís Jabace e Maurílio Batista/Cáritas MG

Ainda durante o dia 3 de novembro, pessoas atingidas pela barragem de Fundão, na bacia do Rio Doce, se reuniram na Escola Família Agrícola (EFA), em Acaiaca, para um Intercâmbio Agroecológico. Reflexões acerca dos projetos de reparação, música, farinhada, trocas de mudas e sementes foram realizadas em um espaço de partilha de experiências entre atingidos de diferentes partes dos territórios afetados pelos rejeitos da mineração. Entre as ações, destaca-se a homenagem sensível aos que morreram vítimas do rompimento da barragem, tanto no dia 05 de novembro de 2015, quanto ao longo desses sete anos de luta pela reparação. A coordenadora do projeto de Assessoria Técnica Independente dos atingidos de Mariana, Laís Jabace, conta que logo cedo foi realizada a entrega de mudas para as pessoas que passavam em frente à EFA, “cada muda esse ano é muito especial, cada muda tem o nome de uma pessoa atingida que se foi nesses últimos sete anos sem ver a reparação acontecer. É em honra a essas pessoas que estamos aqui hoje”. 

Missas e Atos, em Mariana

Missa na Igreja Nossa Senhora das Mercês. Foto: Wan Campos/Cáritas MG

A manhã do dia 5 de novembro foi marcada por comunhão, reflexão e fé. Há sete anos comunidades inteiras convivem com a dor e as perdas causadas pelo maior crime socioambiental do país. A comunidade de Bento Rodrigues e a comunidade de Ponte do Gama celebraram missas em seus territórios de origem em memória às 19 vidas roubadas no dia do rompimento da barragem de Fundão e das mais de 100 pessoas atingidas que morreram nos últimos sete anos, sem ver a reparação se efetivar em Mariana. Os padres que celebraram as missas foram Marcelo Santiago e Delvair Divino, respectivamente. Mauro Silva, de Bento Rodrigues, destacou a força e perseverança das pessoas atingidas:  “agradecemos a solidariedade de todos que estão ao nosso lado desde 2015. Nosso lema hoje é ‘Enquanto há vida, há luta’, assim vamos seguir firmes na luta com esperança", declara.

Missa em Ponte do Gama. Foto: Ellen Barros/Cáritas MG

Com faixas escritas “Samarco, Vale e BHP, queremos indenização das trincas de nossas casas!" e “Rio Doce: 7 anos de luta por justiça”, as ruas e praças de Mariana ficaram repletas de pessoas atingidas em protesto pelos sete anos de luta pela reparação. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou uma concentração a partir das 14h, no Terminal Turístico da cidade e parou na praça Minas Gerais. Às 16h, os atingidos se somaram ao ato “Um minuto de sirene”, realizado pelo Jornal A Sirene, fazendo valer, mais uma vez, o mote desse que é o veículo de comunicação popular das pessoas atingidas: “Para não esquecer!”.

Ato no centro de Mariana reuniu cerca de 100 pessoas. Foto: Wan Campos/Cáritas MG

Durante o ato, o editor-chefe e atingido de Barra Longa, Sérgio Papagaio, trouxe uma reflexão sobre a importância do jornal: "o dia que completa os 7 anos do crime, o jornal A Sirene vem se reafirmar neste mundo midiático, onde os atingidos não têm voz, dando espaço para a voz dos atingidos na reafirmação dos seus direitos, na busca pela reparação integral de suas perdas", afirmou. A Cáritas MG, parceira do Jornal A Sirene, marcou presença no ato. "É com muita tristeza que a gente vê que metade dos atingidos da cidade de Mariana não foram reconhecidos ainda pelas empresas'', desabafou a coordenadora operacional, Laís Jabace. A Escola Família Agrícola (EFA) também se uniu ao ato para fazer a distribuição de mudas em homenagem às pessoas atingidas de Mariana que morreram desde o dia do rompimento da barragem de Fundão.

Celebração Ecumênica em Governador Valadares



Atingidos reunidos em Governador Valadares. Foto: Equipe Cáritas MG

Durante a manhã do dia 05 foi realizado um ato ecumênico em comunhão com dezenas de entidades e pessoas atingidas, em Governador Valadares, município atingido pelo rompimento da barragem de Fundão. O ato fez memória ao sétimo ano do crime, que devastou a bacia do Doce.

Foram lembrados todos aqueles que morreram vítimas do rompimento da barragem, tanto no dia 05 de novembro de 2015 quanto ao longo desses sete anos de luta e resistência pela reparação. O momento também homenageou as inúmeras lideranças que se foram na pandemia.

A iniciativa é do Fórum Permanente em Defesa da Bacia do Rio Doce e do Instituto Padre Nelito Dornelas, que agregam em suas lutas mais de 60 entidades.

Encontro com as pessoas atingidas, em Águas Claras

Atingidos da Zona Rural reunidos para assistirem produções audiovisuais sobre o rompimento da barragem. Foto: Wan Campos/Cáritas MG

No último domingo (6), aconteceu o Encontro das Pessoas Atingidas, na Escola Municipal de Águas Claras, distrito de Mariana. O encontro contou com a participação de cerca de 50 atingidas e atingidos de Águas Claras, Ponte do Gama, Paracatu de Baixo e de Cima. Foram exibidos filmes com a temática do rompimento da barragem de Fundão, alguns dos atingidos presentes tinham sido protagonistas de algumas dessas produções audiovisuais, contando suas histórias e lutas vivenciadas durante esses sete anos do maior crime socioambiental do país. Na parte da tarde, houve atendimentos individualizados com as famílias atingidas e assessores técnicos da Cáritas MG puderam responder dúvidas de caráter jurídico e psicossocial e orientar as famílias presentes sobre como e onde buscar por seus direitos, auxiliando na integralidade de suas reparações. “É muito importante que, hoje, estamos aqui para contribuir com as pessoas atingidas da zona rural de Mariana, as quais, muitas vezes, não são lembradas e mesmo reconhecidas como atingidas”, explicou Laís Jabace, coordenadora operacional da ATI da Cáritas, em Mariana. 

Exposição "Enquanto há, há luta!"

A Exposição conta com 14 fotos do acervo do Jornal A Sirene, veículo de comunicação dos atingidos. Foto: Wan Campos/Cáritas MG


A lama, a luta, o luto e a vida. Elementos que compõem o cenário de conflitos socioambientais provocados pelo rompimento da barragem de Fundão, em 05 de novembro de 2015. A exposição "Enquanto há, há luta!" utiliza o acervo de imagens do Jornal A Sirene para fazer um mergulho nos aspectos do cotidiano das pessoas atingidas. “A forma que a exposição foi feita,  foi no estilo de um cronograma e a gente consegue entender melhor as nossas lutas e conquistas durante esses 7 anos. Hoje, estamos com mais sabedoria, mas o sofrimento está muito maior e a exposição é um jeito de nos dar força para saber que a nossa luta não foi em vão”, afirmou Luzia Queiroz, membro da Comissão de Atingidas e Atingidos pela barragem de Fundão (CABF).

A exposição evidencia a destruição causada pelos rejeitos tóxicos da mineração e os atos de resistência coletiva; faz uma homenagem sensível em honra às mais de 100 pessoas atingidas que morreram antes de ver o processo de reparação se efetivar; e celebra a vida que pulsa, a cultura, os saberes e os fazeres das pessoas atingidas.


Por  Ellen Barros e Wan Campos

com apoio de Wigde Arcângelo


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