COLABORE

Diante da crise climática, Cáritas promove formação sobre transição energética e Direito da Natureza

Áreas de Atuação

A formação discute mitigação da crise climática e aprofunda os conhecimentos em um assunto recente para o país: os Direitos da Natureza.

Publicação: 15/10/2024


O colapso do clima já é uma realidade. No Brasil, todos nós estamos vivenciando as consequências das graves alterações no meio ambiente: intensas ondas de calor, com constantes recordes de temperaturas em diferentes cidades; chuvas fortes e registro de alagamentos em níveis históricos em determinadas regiões do país; secas severas, capazes de fazer desaparecer por completo grandes e volumosos rio em outras localidades, são apenas alguns dos acontecimentos que demonstram que o nosso planeta já entrou em colapso. 

Conforme o mundo registra novos aumentos de temperatura, que impactam profundamente o equilíbrio do meio ambiente e a vida nas cidades, governos, empresas e corporações se distanciam cada vez mais de cumprir as metas e acordos globais que vão de encontro à diminuição dos impactos da crise climática. Ao mesmo tempo, cresce a importância do fortalecimento de articulações da sociedade comprometidas com um engajamento social pró-meio ambiente.

Atenta aos princípios da construção coletiva e cooperação solidária, e guiada pela urgência de construir estratégias em rede voltadas para a mitigação das consequências do colapso do meio ambiente, a Cáritas Minas Gerais, por meio do Projeto de Incidência na Pauta da Mineração (PIPAM), organizou o ciclo de formação “Crise climática, transição energética e os Direitos da Natureza”. 

Voltada para membros da Rede Cáritas Minas Gerais, a iniciativa tem como principal objetivo qualificar as equipes das 15 Cáritas diocesanas do estado para atuarem de maneira eficaz nas pautas socioambientais, especialmente no enfrentamento da crise climática e na proteção da nossa Casa Comum, conceito que envolve a proteção ambiental e a promoção da justiça social. 

A formação foi estruturada em quatro módulos, com o primeiro sendo realizado de forma presencial no mês de julho, durante encontro dos agentes Cáritas em Belo Horizonte, e os demais de forma virtual. Os módulos abordam discussões que vão desde os impactos da crise climática até os direitos da natureza, passando por uma análise crítica sobre as controvérsias da transição energética.

Módulo de abertura: a crise climática e os impactos para o Brasil

O primeiro módulo do ciclo abordou as ações que nos fizeram chegar até este contexto de crise climática. Realizado no mês de julho, no monitoramento da Rede Cáritas Minas Gerais, etapa que faz parte da metodologia PMAS - Planejamento, Monitoramento, Avaliação e Sistematização da Cáritas Brasileira, a formação refletiu sobre a atuação da Cáritas em diferentes cenários frente às emergências climáticas. 

Lucas D’Avila, coordenador da área de atuação em Meio Ambiente, Gestão de Riscos e Emergências (MAGRE) da Cáritas Brasileira, conduziu o debate sobre o tema “Crise climática e a construção da sociedade do Bem Viver”. Para o agente Cáritas, a humanidade tornou-se uma geradora de riscos à Casa Comum, uma vez que tende a naturalizar a ocorrência de desastres, como se fossem uma manifestação do próprio planeta ou ainda um “castigo divino” quando, na verdade “respondem à ação humana irresponsável em nome de uma lógica de sociedade que degrada não só o meio ambiente, como também viola os modos de vida tradicionais, as ancestralidades e os territórios”, afirmou.


Primeiro módulo do ciclo de formação na etapa de monitoramento do PMAS da Rede Cáritas Minas Gerais abordou a crise climática e suas consequências. Foto: Francielle Oliveira/Cáritas MG

Primeiro módulo do ciclo de formação na etapa de monitoramento do PMAS da Rede Cáritas Minas Gerais abordou a crise climática e suas consequências. Foto: Francielle Oliveira/Cáritas MG. 


O assessor nacional apresentou números que exemplificam os impactos e como são fundamentados nos espaços de debates geopolíticos mundiais, como na 30ª Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que acontecerá em novembro de 2025 em Belém (PA), com a participação da Cáritas Brasileira.

Para somar ao debate, a Secretária Executiva da Cáritas Regional Rio Grande do Sul, Jacira Dias, apresentou o panorama das enchentes que assolaram o estado durante os meses de abril e maio deste ano. A Secretária exibiu dados da Defesa Civil e imagens de como as cidades gaúchas ficaram durante e após a catástrofe climática, com consequências vivenciadas ainda hoje. Além do olhar institucional, Jacira compartilhou experiências enquanto impactada diretamente pelas enchentes que atingiram Porto Alegre. A rede Cáritas promoveu, a partir das metodologias de emergências e gestão de riscos, campanhas de enfrentamento à catástrofe socioambiental e de apoio às famílias atingidas no Rio Grande do Sul.  

A formação contou também com a participação do agente Cáritas de Montes Claros, Aldinei Leão. Convidado para falar sobre “O direito ao território e o direito da natureza: experiências de construções legislativas no Norte de Minas”, Aldinei trouxe contribuições sobre as conquistas dos Povos e Comunidades Tradicionais na região. A apresentação relembrou o processo de incidência política feito pela Cáritas Minas Gerais nos municípios de Porteirinha, Nova Porteirinha e Serranópolis de Minas, que culminou na aprovação de três leis municipais que reconhecem o rio Mosquito como sujeito de direitos. Esta é uma conquista pioneira em Minas Gerais e só foi possível a partir da mobilização popular em defesa dos direitos do Mosquito enquanto sujeito da natureza, que possui direitos relacionados à sua preservação e existência da sociobiodiversidade que depende do rio.



Aldinei Leão, agente Cáritas em Montes Claros, compartilhou as experiências de articulação popular em defesa do rio Mosquito. Foto: Francielle Oliveira/Cáritas MG. 


Em um cenário de intensas ondas de calor, secas prolongadas e chuvas severas, os brasileiros vêm sentindo na pele os impactos das alterações climáticas. A emissão de gases que causam o efeito estufa é um dos principais fatores que contribuem para o aquecimento do nosso planeta e o consequente desequilíbrio dos ecossistemas. Desde a Revolução Industrial (entre os anos de 1760 a 1840), a queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural, lança na atmosfera gases que recobrem o planeta e retêm o calor do Sol, criando uma grande estufa que faz o planeta aquecer por completo.

Um estudo publicado em 2021 pela consultoria McKinsey indica que a atuação minerária é responsável por aproximadamente 7% de toda a emissão (a partir da atividade humana) dos gases de efeito estufa. Se forem consideradas as emissões indiretas, esse dado pode chegar a 28%. No Brasil, a ação das mineradoras ainda ganha outro destaque, que é o seu potencial de desmatamento. Ao modificar o solo, queimando ou derrubando parte de uma floresta, por exemplo, uma alta quantidade de dióxido de carbono (CO2), um dos principais GEE, é liberada na atmosfera.

A respeito de meios de vida, saúde e conflitos, o conjunto das alterações climáticas têm ampliado a insegurança alimentar e os vetores de doenças infecciosas por todo o globo, além de serem causa do deslocamento de estimadas 32 milhões de pessoas nos últimos anos. A respeito de meios de vida, saúde e conflitos, o conjunto das alterações climáticas têm ampliado a insegurança alimentar e os vetores de doenças infecciosas por todo o globo, além de serem causa do deslocamento de estimadas 32 milhões de pessoas nos últimos anos.

Segundo módulo abordou as controvérsias da transição energética

O segundo módulo, ocorrido no dia 17 de setembro, discutiu o tema “Transição energética, 'capitalismo verde' e a exploração da nossa Casa Comum”. Embora a transição energética seja fundamental para reduzir a dependência de combustíveis fósseis, também gera inúmeros impactos socioambientais, principalmente em comunidades vulnerabilizadas, aprofundando o racismo ambiental. A mineração do lítio, essencial para a produção de baterias para carros elétricos, por exemplo, traz sérios danos ambientais e sociais em regiões como o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais.



O segundo módulo aconteceu de forma remota e reuniu participantes que constroem a Rede Cáritas em Minas Gerais para pensar as consequências socioambientais da transição energética para países do Sul Global.


A Agência Internacional de Energia (IEA) destaca que a extração dos minerais críticos para a transição energética gera danos nos ecossistemas e comunidades locais; o lítio, por exemplo, exige dois milhões de litros de água por tonelada produzida; ao mesmo tempo, mais de 50% do lítio e cobre no mundo estão em regiões com escassez de água, como o próprio Vale do Jequitinhonha. Por lá, mineradoras como a Sigma Lithium e a Companhia Brasileira do Lítio exploram o mineral nos municípios de Araçuaí e Itinga e comunidades já sofrem com as intensas consequências da exploração: alteração nos modos de vida; piora na qualidade do ar; convivência com barulho de explosões nas minas; aumento do tráfego de caminhões e veículos pesados que causam trincas e rachaduras nos imóveis; aumento do custo de vida com a chegada de centenas de trabalhadores; especulação imobiliária; entre outras consequências. 

Estudos apontam que a extração desses minerais está associada à contaminação do ar, das águas superficiais e subterrâneas e dos ecossistemas ao entorno. No Brasil, a transição energética tem sido tratada como “transação energética” em razão dos impactos sociais e ambientais que gera. Destaca-se o aumento de casos de depressão, insônia e surdez em comunidades, de abuso e exploração sexual contra mulheres e crianças, além de impactos sobre ecossistemas locais.

A Cáritas Minas Gerais busca questionar a lógica do “capitalismo verde”, que muitas vezes mascara práticas extrativistas prejudiciais ao meio ambiente e às comunidades locais. A discussão gira em torno da necessidade de garantir que a transição energética seja justa e não repita os erros do passado, prejudicando os mais vulneráveis.

O terceiro módulo, que será realizado no dia 22 de outubro, traz para o centro da discussão os Direitos da Natureza no contexto do neoextrativismo. O conceito do direito, que tem ganhado força internacionalmente, propõe que a natureza seja reconhecida como sujeito de direitos, o que significa que os ecossistemas teriam proteção legal própria. No Brasil, essa ideia ainda está em construção, mas já começa a ganhar visibilidade, especialmente em debates sobre o impacto da mineração e da exploração de recursos naturais.

O ciclo de formação visa conscientizar os participantes sobre a importância de proteger a natureza de forma integral, respeitando os direitos das comunidades afetadas pela exploração desenfreada dos recursos naturais.

Caminhos para o futuro: o Bem Viver

Por fim, o quarto módulo, marcado para 12 de novembro, abordará “A Rede Cáritas MG na construção da sociedade do Bem Viver”, e tem como proposta traçar caminhos para a atuação da Rede com foco na proteção da nossa Casa Comum, como explica Anna Crystina Alvarenga, da coordenação colegiada: "No segundo módulo, a nossa ideia foi instigar a reflexão: quais são as falsas soluções que estão sendo colocadas? A transição energética é uma delas, por exemplo. No próximo módulo, abordaremos as soluções que estão sendo construídas pelos Povos e Comunidades Tradicionais para a crise climática. Por fim, no ultimo módulo, faremos um momento de trabalho para pensar o que nós, agentes Cáritas, podemos juntos fazer ou potencializar o que já está sendo feito nos territórios.", afirma. 

O Bem Viver é uma filosofia que propõe uma forma de vida em harmonia com a natureza e com a comunidade, colocando o bem comum acima dos interesses individuais e do lucro. A Cáritas Minas Gerais vê na construção dessa sociedade uma oportunidade de repensar as relações humanas e com o meio ambiente, promovendo uma transição energética que seja justa, inclusiva e sustentável. O Bem Viver se relaciona intimamente com a missão da Cáritas Minas Gerais de “Testemunhar e anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, defendendo e promovendo toda forma de vida e participando da construção solidária da sociedade do Bem Viver, sinal do Reino de Deus, junto com as pessoas em situação de vulnerabilidade e exclusão social". Este compromisso é partilhado em rede pelas 16 entidades-membros, além do secretariado regional, que compõem a Cáritas em diferentes regiões do estado: Norte de Minas, Vale do Jequitinhonha, Triângulo Mineiro, Região Central, Sul de Minas, Zona da Mata, Vale do Rio Doce, Vale do Mucuri, Campo das Vertentes e Região Metropolitana de Belo Horizonte – todas com um mesmo compromisso: a prática de ouvir respeitosamente o sofrimento dos empobrecidos e dos que estão em situação de vulnerabilidade e favorecer ferramentas para transformar suas vidas. 

Com os encontros do ciclo do PIPAM, reafirmamos o compromisso com a formação contínua e a atuação em defesa dos direitos socioambientais, buscando soluções que respeitem tanto as comunidades quanto a natureza, na construção de um futuro mais justo e sustentável para todas as formas de vida.


Por Luísa Campos, da Cáritas Minas Gerais


Tag