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Mariana 6 anos: o povo clama por justiça!

Áreas de Atuação

O maior crime socioambiental da história do Brasil completa seis anos de impunidade.

Publicação: 10/11/2021


05 de novembro de 2015 marcou a história do país como o dia do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, em Mariana. O maior crime socioambiental do Brasil foi cometido pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP, que mataram 19 pessoas e prejudicaram, drasticamente, a vida de milhares de outras. De Mariana (MG) à Regência (ES) se tem notícia de sucessivas violações de direitos, destruição, adoecimento e morte que se espalham com a ineficiência do processo reparatório conduzido pela Fundação Renova. Seis anos depois, a história é marcada pela luta do povo, que exige uma reparação justa e integral. No clamor por justiça, uma série de atividades marcam essa data de dor e resistência.

Durante a manifestação Raiane de Oliveira e outras pessoas atingidas denunciaram as violações de direitos que vêm sofrendo nestes 6 anos

Na manhã da última sexta (05), pessoas atingidas pela barragem da Samarco (Mariana) e pela barragem da Vale (Brumadinho) se encontraram em um ato na praça Minas Gerais, em Mariana. Entidades e movimentos sociais parceiros na luta pela reparação justa e integral somaram forças neste momento histórico. Durante o ato, Gladston Figueiredo, coordenador da Assessoria Técnica da Cáritas Regional Minas Gerais aos atingidos de Mariana, destacou a importância da data jamais passar em branco. "Faz parte do momento trazer esperança para quem está na luta, para quem está apoiando os atingidos, para todas as entidades aqui presentes e, sobretudo, para as famílias que lutam há 6 anos para ter seus modos de vida recuperados”. A atingida Raiane Rosália de Oliveira, moradora de Paracatu de Baixo, fez memória à sua mãe, Ana Lúcia Silva, e a tantos outros que morreram sem voltar para seus lares. "Eu queria falar da minha mãe, ela foi uma das que tinha esperança da nossa casa ficar pronta... ela foi embora sem a casa dela. Meu avô morreu sábado passado agora [dia 30/10]. Muita gente, tia Laura, Izolina, algumas pessoas que faleceram... Até hoje nada, nenhuma casa em pé!", indigna-se a jovem de 27 anos.

À tarde, algumas pessoas atingidas e organizações parceiras fizeram uma visita à comunidade Paracatu de Baixo, em Mariana, devastada pelo mar de rejeitos da Samarco,  Vale e BHP. De lá, seguiram para o reassentamento coletivo desta comunidade, onde nenhuma casa foi concluída. 

Fé e resistência 

No fim da tarde, aconteceu uma missa em memória às vítimas do rompimento da barragem de Fundão. Realizada na Igreja Nossa Senhora das Mercês, em Bento Rodrigues de origem, distrito também devastado pelo rompimento da barragem em 2015, a missa foi celebrada por dom Airton José dos Santos, arcebispo da Arquidiocese de Mariana, e co-celebrada por dom Lauro Versiani Barbosa, bispo da Diocese de Colatina (ES); dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte; padre Marcelo e padre Luiz Roberto. Nesse dia que marcou os 6 anos do crime, a comunidade prestou homenagem aos que morreram em 05 de novembro de 2015 e a tantos outros que se foram ao longo desse período.


A missa aconteceu na Igreja Nossa Senhora das Mercês, em Bento Rodrigues, um dos poucos bens públicos que resistiram à lama.

Durante a homilia, dom Airton falou sobre a repetição do crime, com o rompimento da barragem do córrego do Feijão, em Brumadinho, e trouxe uma mensagem de força à população atingida. "Por mais que exista o poder econômico e político na sociedade que, às vezes, nós sentimos o peso sobre nós, mas eles não são poderosos, a nossa esperança é mais forte do que isso, não morre, nós precisamos resistir". Sobre o constante risco de novos rompimentos de barragens da mineração no estado, o sacerdote conclama: “Nós precisamos ter consciência de que precisamos fazer a diferença, não podemos desanimar".  

Marinalda Aparecida Silva Muniz, atingida e moradora de Bento Rodrigues, após agradecer à presença dos sacerdotes, das organizações parceiras e das demais pessoas atingidas, destacou as injustiças sofridas nesses seis anos. “As empresas se sentem confortáveis diante da impunidade, a justiça não demonstra empenho para fazer valer os acordos de reparação e reconstrução”. Marinalda ressalta ainda os erros no processo de indenização, “já ouvimos até mesmo do judiciário, que a indenização dos atingidos é desarrazoável, discrepante, mas não se preocupam em utilizar parâmetros, como o cadastro e a matriz de danos, que podem garantir  uma indenização mais justa para quem perdeu tudo. Multas que deveriam ser aplicadas não acontecem” e conclui: “chega de violação de direitos, queremos nossa vida de volta!”.  

A celebração da missa em Bento Rodrigues mostra, mais uma vez, que os territórios de origem continuam sendo espaços importantes para o convívio comunitário, onde as pessoas atingidas vivenciam sua espiritualidade e fortalecem os vínculos afetivos. Há seis anos, o povo luta pela preservação das referências culturais, incluindo as igrejas e imagens sacras atingidas, no entanto sequer têm conhecimento dos projetos de reconstrução e de possíveis propostas de intervenções para estes bens. A participação das atingidas e dos atingidos é fundamental em todas as ações de reparação.

Durante a solenidade, dom Vicente, arcebispo de Belo Horizonte e atuante nas causas dos atingidos, se emocionou e relatou uma frase marcante de uma moradora de Brumadinho: “‘Por que que eu não gritei por Mariana?’”. Segundo ele, a partir daquele momento decidiu nunca deixar de gritar pelo povo atingido. “Não podemos, depois, lá na frente nos arrepender por não termos gritado por Brumadinho, Mariana ou qualquer lugar atingido pela ganância. O Reino de Deus também acontece na resistência”, afirma o sacerdote.

Ao final da missa, a atingida Mônica dos Santos entregou aos sacerdotes presentes, a carta que a Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF), de Mariana, escreveu para o papa Francisco. Em sua fala, Mônica denunciou o preconceito que a comunidade vem sofrendo com a descaracterização dos projetos arquitetônicos das novas casas, no reassentamento. “Eles têm bilhões que eu nem sei contar. Seis anos e o reassentamento de Bento tem 10 casas prontas e ainda as pessoas falam que estão construindo mansões, porém, isso não é o desejo do atingido. Não é o meu desejo morar numa casa linda e maravilhosa. O meu desejo é morar no meu cantinho como era antes”, desabafou a atingida. Ela ainda expressou o sentimento que motivou a escrita da carta, “esta carta é um pedido de socorro e de súplica, quem sabe o papa Francisco, talvez pela hierarquia, ele esteja mais próximo de Deus do que nós e possamos ser ouvidos rapidamente”, concluiu Mônica. 

Governador Valadares em luta pela reparação justa

O crime da Samarco, Vale e BHP deixou um rastro de destruição ambiental e violação de direitos ao longo da bacia do rio Doce. Com o objetivo de manter viva a memória do crime ambiental e denunciar as injustiças ao longo desses seis anos, foi realizada uma série de eventos na cidade de Governador Valadares, um dos 41 municípios atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão.

A manhã do dia 05 de novembro foi marcada por uma celebração ecumênica, realizada no bairro São Pedro, às margens do rio Doce. A cerimônia foi presidida pelo padre Marcos Alves, presidente da Cáritas Diocesana de Governador Valadares, padre Gustavo Moreira Mendes, diretor espiritual das Pastorais Sociais e pelo pastor Lúcio Mendonça da Fonseca, da Igreja Metodista. O evento contou com a presença da imprensa, pessoas atingidas, entidades, instituições acadêmicas, ONGs, sindicatos, movimentos sociais e comunidade. De iniciativa do Fórum Permanente da Bacia do Rio Doce, articulado desde 2015, a celebração fez parte do VI Seminário Integrado do Território do Rio Doce, que debateu os impactos do rompimento da barragem de Fundão.

 
Atingidos de Governador Valadares participam de culto ecumênico em memória dos 6 anos do crime da Samarco, Vale e BHP

Na parte da noite, o seminário realizou a mesa redonda "A luta por Justiça", contando com a participação de Letícia Aleixo, coordenadora do Projeto de Incidência na Pauta da Mineração (PIPAM), da Cáritas MG. Aleixo pontuou os direitos conquistados a partir da luta das pessoas atingidas e os desafios ainda enfrentados por essas pessoas. Também compuseram a mesa representantes da Rede Igrejas e Mineração e da Força Tarefa Rio Doce (MPF).

Entrega de mudas é gesto de esperança 

A entrega de mudas na manhã de sábado (06), encerrou a série de atividades em memória dos 6 anos do crime da Samarco, Vale e BHP na bacia do rio Doce. Junto com as mudas, uma edição especial sobre os 6 anos do rompimento da barragem de Fundão do jornal Brasil de Fato foi entregue a todos que passaram em frente à Escola Família Agrícola Paulo Freire, em Acaiaca. Gilmar de Souza, presidente da escola, destaca a importância da sociedade se preocupar com a situação das pessoas atingidas. "Estamos entregando mudas em homenagem a essas pessoas que perderam a vida trabalhando, levando o pão para as suas famílias, nós estamos também entregando um jornal explicando toda essa luta dos atingidos", diz ele.

Cerca de 300 mudas foram distribuídas em memória às vítimas da mineração em Mariana e Brumadinho

A ação foi realizada com apoio de representantes da Cáritas Minas Gerais, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), da Folia de Reis de Acaiaca, da Associação da Escola Família Agrícola (AEFA) e do mandato coletivo do deputado federal Padre João (PT-MG). 

Texto elaborado por Ellen Barros, Wan Campos, Wigde Arcangelo, Francielle Oliveira e Lívia Bacelete, comunicadores populares da Cáritas Regional Minas Gerais, com a colaboração de Wellington Moreira Azevedo, agente da Cáritas Diocesana de Governador Valadares e do Fórum Permanente em Defesa da Bacia do Rio Doce.

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