A última semana de maio de 2025 foi marcada por duas notícias lamentáveis para a luta das pessoas e comunidades atingidas pela barragem de Fundão em Mariana. O dia 29 foi o prazo estabelecido para finalizar o aviso prévio coletivo da equipe que compõe a Assessoria Técnica Independente (ATI) em Mariana, e no dia 30 foi realizada a desmobilização do escritório da Comissão de Atingidos e Atingidas pela Barragem de Fundão (CABF).
À esquerda, reunião da equipe da Cáritas MG|ATI Mariana. À direita, mudança do escritório da CABF. Créditos: Quel Satto/Cáritas MG|ATI Mariana
Entenda o histórico recente da ATI
A história do direito ao assessoramento técnico independente sempre foi permeada por muitas dificuldades e, mesmo após a homologação da PEAB (Política Estadual dos Atingidos por Barragens) e da PNAB (Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens), que garantem esse direito, as comunidades atingidas ainda tem que lutar para vê-lo efetivado.
Desde 2016, a Cáritas MG|ATI Mariana passou por diferentes planos de trabalho e, em todos os momentos em que um desses era finalizado, havia a necessidade de sua adequação, com várias negociações e intervenções das Instituições de Justiça. Por isso, diversas vezes o projeto esteve em um cenário de incerteza, mas ele nunca foi encerrado de forma abrupta, antes de completar os objetivos estabelecidos nos respectivos planos.
Mais recentemente, em 2023, a ATI passou por uma grande instabilidade, provocada pelo fim do recurso financeiro, e houve uma redução significativa de funcionários, necessidade de novas contratações e reorganizações internas. Em dezembro do mesmo ano, foi aprovado um plano de 3 meses, diferente da proposta de 30 meses apresentada pela Cáritas, e desde então a ATI em Mariana só conseguiu renovar o projeto de forma emergencial, com planos de atuação de curta duração.
Em março de 2024, com o processo judicial dessa vez na vara federal, havia sido aprovado parcialmente um plano com duração de 9 meses, até o mês de dezembro, pendendo ajustes de custeio e de estrutura para o ano de 2025, o que traria breve estabilidade para a atuação da ATI. No entanto, em abril de 2024, o processo foi enviado de volta para a vara estadual, o que demandou uma nova movimentação em favor da ATI. Em junho, o plano para atuação reduzida/emergencial foi aprovado pela juíza substituta, até que a titular da comarca retornasse para decidir sobre a continuidade da ATI a longo prazo.
Ainda conforme determinação da juíza substituta, no final de setembro de 2024, foi apresentado um novo plano de trabalho, desta vez com a proposta de 28 meses, a ser debatido no retorno da juíza titular, em audiência no dia 2 de outubro, em paralelo com plano apresentado pelas empresas. Alguns dias depois da audiência realizada no Fórum de Mariana com a juíza titular, foi assinado o acordo de repactuação, no dia 25 de outubro. No início de novembro, com a homologação do acordo, já era sabido que a partir daquele momento a gestão de todas as ATIs da Bacia do Rio Doce estariam sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), e não mais a cargo das Instituições de Justiça.
Por isso, no dia 8 de novembro foi encaminhado um ofício, ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Ministério Público Federal (MPF) e MDA, solicitando a aprovação do plano de trabalho recém apresentado pela ATI, garantindo sua permanência até que a nova estrutura do acordo estivesse operando. Sem uma resposta satisfatória, em dezembro a ATI envia novo ofício, desta vez para o MPF, pedindo a utilização de recursos residuais para garantia da ATI em janeiro de 2025.
Visita do Ministério Público Federal em Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo (abril de 2025). Créditos: Maria Luísa Sousa/Cáritas MG|ATI Mariana
No texto do novo acordo, é expressa a importância do trabalho das ATIs, considerando-as “ferramentas de promoção da participação da população no acompanhamento das ações de reparação e compensação dos danos causados pelo ROMPIMENTO”. O acordo também determinou que o direito ao assessoramento técnico independente é uma das diretrizes da participação social e controle social.
Com o plano de trabalho readequado para o novo modelo, em janeiro de 2025 a Cáritas solicitou sua contratação, uma vez que até que se realizasse a organização interna dos órgãos competentes, os recursos do projeto já teriam se esgotado e as comunidades atingidas ficariam sem assessoria técnica. A proposta seria de atuar de forma emergencial e transitória até o mês de outubro, que é quando está prevista a contratação de todas as ATIs dentro do novo escopo.
Desde o início do ano foram realizadas diversas movimentações em favor da continuidade da ATI em Mariana, buscando efetivar a contratação para que não houvesse a interrupção das atividades realizadas. Em 25 de abril foi encaminhado um ofício, resgatando todas as tentativas em aprovar plano de trabalho da ATI, ofícios enviados, reuniões realizadas, e também sinalizando que, caso não tivesse resposta dessa vez, a equipe seria colocada de aviso prévio a partir do dia 30 de abril. Sem resposta positiva, o aviso foi efetuado. Durante esse período, no dia 14 de maio, foi divulgada uma nota conjunta com mais de 50 organizações/entidades em defesa da renovação do plano de trabalho da Cáritas MG|ATI Mariana, fruto da articulação feita pela CABF em conjunto com a Cáritas Minas Gerais.
A preocupação da Cáritas frente a paralisação da ATI, enquanto entidade que acompanha o processo de reparação de Mariana desde 2016, é que esse percurso está longe de acabar e todo dia surgem novas demandas para as comunidades atingidas. Alguns dos desafios que permanecem depois da repactuação são: a entrega dos reassentamentos, os problemas que surgem depois da ocupação das casas, a retomada produtiva-econômica que permanece sem perspectivas, o manejo de rejeito nas comunidades de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, assim como a destinação desses territórios, entre outras questões urgentes e duradouras como a saúde da população atingida.
Desmobilização do escritório da CABF e próximos passos
O escritório da CABF era um espaço que servia como ponto de apoio físico para organização da entidade, realização das suas reuniões (ordinárias, extraordinárias, com ou sem participação de atores externos), e no qual estava guardado seu acervo de documentos (mapas, maquetes, dossiês, ofícios e outros registros), acumulado ao longo desses quase 10 anos.
Desde sua instalação, em 2016, os custos eram cobertos pela Fundação Renova, organização que era responsável por conduzir a reparação e compensação dos danos causados pelo rompimento, uma vez que não seria justo que as pessoas atingidas fossem oneradas com mais essa despesa. A partir da assinatura do novo acordo, agora quem tem a responsabilidade de cobrir os custos relacionados à participação social na reparação é o Fundo Rio Doce, que será gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Com essa justificativa, no dia 4 de fevereiro, a Samarco enviou um ofício para a CABF informando sobre a desmobilização do escritório no final de maio, uma vez que a partir desse mês a Fundação Renova não iria mais pagar o aluguel do imóvel, caracterizando essa ação como parte da “adaptação à nova realidade do processo de reparação”. É importante dizer que, nessa data, o decreto que instaura a nova estrutura de governança e gestão dos recursos financeiros não havia sido publicado ainda - o que foi realizado apenas no dia 19 de março, com a criação do Comitê do Rio Doce e do Comitê Financeiro do Fundo Rio Doce.
Sem informações a respeito dessa nova realidade que se colocava à frente dela, desde o final de fevereiro, a Comissão de Atingidos, amparada pela ATI, realizou diversas tentativas de diálogo com a Fundação Renova e Samarco. Em ofício respondendo a comunicação da mineradora, a CABF apontou: “O Anexo 6 do acordo de repactuação que trata da participação social não traz determinação para a desmobilização do escritório. É importante a manutenção do escritório para garantia de que questões importantes para as pessoas atingidas sejam discutidas, mesmo durante o período de transição, pois essas discussões preservam direitos, bem como garante informações às mesmas.” A CABF solicitou o adiamento da desmobilização de seu espaço físico, compreendendo que ainda não tinham perspectiva de como ficaria a situação com o Fundo Rio Doce, nem data prevista para início dos trabalhos do Comitê responsável - mas nada mudou.
A primeira reunião do Comitê do Rio Doce foi realizada apenas no dia 9 de maio e, sem mudança na posição da Samarco ou novas determinações do Governo Federal, a CABF começou a se preparar para a mudança. É importante reforçar que a sede da Comissão garantia emprego para suas secretárias, que foram demitidas no dia 22 de maio, e era um espaço seguro para as pessoas atingidas se organizarem de forma autônoma. No dia 26 de maio a reunião ordinária da comissão foi realizada no escritório da ATI, porém agora também já não possuem mais esse espaço.
Felizmente, a partir de articulações realizadas com parceiros em conjunto com a ATI, a CABF conseguiu um local para guardar provisoriamente seu acervo e realizar as próximas reuniões. Em uma sala do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), agora estão armazenados os documentos, de importância inestimável, que contam a história de luta das comunidades atingidas pelo rompimento da barragem em Mariana.
Sala onde eram realizadas as reuniões no escritório da CABF. Créditos: Quel Satto / Cáritas MG|ATI Mariana
Agora, a ATI aguarda uma resposta positiva do MDA para retomar suas atividades e tentar amenizar os estragos que já foram causados pela interrupção - e os que ainda serão percebidos. Para essa resposta não foi colocada nenhuma estimativa de prazo. A CABF também espera novidades no processo para então poder solicitar um novo espaço para a organização. Também não foi estabelecido um prazo para implementação total das estruturas de governança e apoio à participação social das comunidades atingidas da Bacia do Rio Doce, suporte indispensável para a efetivação do direito à participação informada.